Caso Vini Jr.: reflexos na lei penal espanhola e brasileira e o princípio da extraterritorialidade

No que tange à Espanha, o caso que envolveu o jogador do Real Madrid,
Vinicius Júnior, o “Vini Jr.”, tem como tipificação penal espanhola
os crimes de crime de ódio e discriminação e foi denunciado
formalmente pelo clube à Procuradoria Geral da Espanha.

Os torcedores do Valencia, equipe rival, podem ser punidos penalmente
pelo fato de chamar o jogador de “mono” – macaco em espanhol. Essa não
é a primeira que Vini Jr. sofre esse tipo de situação. As autoridades
espanholas possuem 10 crimes dessa mesma natureza, com o jogador vítima
em todas, um verdadeiro absurdo que deve ser evitado na sociedade
moderna.

A título de curiosidade, o primeiro episódio no jogo Barcelona x Real
Madrid (em 24.10.2021), Vini Jr. foi xingado de macaco, porém os
autores não foram identificados e o caso arquivado. No segundo
episódio, no jogo entre Mallorca x Real Madrid (em 14.03.2022)
torcedores rivais fizeram sons imitando macacos, mas o caso também foi
arquivado com fundamentação de que não atingiu a dimensão pública
penal. No quarto episódio, no jogo Valladolid x Real Madrid (em
30.12.2022), a La Liga – responsável pelo Campeonato Espanhol de
Futebol – apresentou denúncia na Comissão Antiviolência, Comissão da
Competição e no Tribunal Judicial de Valladolid, e os infratores foram
punidos penalmente. E nos outros 6 casos antigos, todos foram a Tribunal
e alguns estão em processo ou já finalizaram, com punições dos
infratores.

Os crimes de ódio e discriminação na Espanha estão consumados se a
ofensa criminal de qualquer natureza, no caso contra pessoas, se executa
em detrimento da sua cor de pele, no caso de Vini Jr. por ter a pele
negra.

Esse crime previsto é punido no Artigo 510 do Código Penal da Espanha,
notadamente crime cometido contra direitos fundamentais garantidos pela
Constituição. Assim, os torcedores do Valencia poderão ser condenados
em até 4 anos de prisão, multa, e um possível banimento de comparecer
aos jogos e expulsão do quadro associativo do clube.

Com relação ao Brasil, importante analisar, antes de adentrar aos
crimes que podem incidir no território brasileiro, a possibilidade
emanada pelo Ministro da Justiça, Flávio Dino, de socorrer a medida
jurídica excepcional caso as autoridades espanholas se omitirem aos
crimes que vitimizam de forma preconceituosa e racista o jogador
Vinicius Jr., que defendeu a seleção brasileira na última Copa do
Mundo.

O Ministro da Justiça, através do Itamaraty, quer a aplicação do
princípio da extraterritorialidade, ou seja, que nos casos de crimes
contra cidadãos brasileiros no exterior poderão ser aplicadas a lei
penal brasileira, impulsionando assim o governo espanhol a tomar as
medidas judiciais (cíveis e criminais), e administrativas perante a
Fifa e à Federação Espanhola de Futebol.

O princípio da extraterritorialidade pode inclusive – em um outro caso,
a depender – ser utilizado a título de pedido de extradição, pedido
de prisão, por exemplo, condenatória em caso de indivíduo com
reincidência, e inclusão na Interpol, isso se aplicado o princípio da
extraterritorialidade na forma que transpareceu o Ministro da Justiça
do Brasil.

No Brasil, o crime de racismo no Brasil, por meio de ofensa
discriminatória por causa de cor de pele, já existe, e recentemente o
presidente Lula sancionou a Lei n. 14532/2023, em que o crime de racismo
dentro dos estádios de futebol tem pena de 2 a 5 anos de prisão, e
dobrada se for cometido por 2 ou mais pessoas, com banimento por 3 anos.

Ou seja, uma questão técnica que tem que ser observada é a diferença
da injúria racial para o racismo. Na primeira basta uma ofensa como,
por exemplo, o ato de chamar uma pessoa de macaco como foi vítima o
jogador Vini Jr., pois a intenção é ofender alguém. No racismo tem
que ser em detrimento do coletivo, contra um grupo por causa da raça
também (japonês, africano) e por corta da pele (negra, amarela) serem
impedidos, por exemplo, de frequentar um local, ou serem excluídos de
práticas e direitos comuns.

Vale frisar que todos são iguais perante a lei e devem ser preservados
os direitos fundamentais, humanos e constitucionais.

Ou seja, com a entrada em vigência da nova lei sancionada pelo
presidente Lula, o crime de injúria racial praticado dentro de um
estádio de futebol é equiparado ao preceito secundário da pena (com
aumento) do crime de racismo.

Entretanto, o preceito primário, apresenta diferenças, como é o caso
da tipificação de cada crime. A injúria racial está prevista no
Código Penal brasileiro e o racismo na Lei 7716/1989. O crime de
injúria racial está previsto e punido no Artigo 140, parágrafo
terceiro, com pena de reclusão de 1 a 3 anos e multa. O racismo, nos
termos do Artigo 3 da referida Lei própria, possui pena de reclusão de
2 a 5 anos.

Referida lei, sancionada pelo presidente Lula, que entrou em vigência
em 11 de Janeiro de 2023, altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de
1989 (Lei do Crime Racial), e o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro
de 1940 (Código Penal), para tipificar como crime de racismo a injúria
racial, prever pena de suspensão de direito em caso de racismo
praticado no contexto de atividade esportiva ou artística e prever pena
para o racismo religioso e recreativo e para o praticado por
funcionário público.

A conclusão que se chega, é a necessidade de punição de infratores
que praticam estes tipos de delitos dentro do estádio de futebol. E,
sobretudo que as mudanças da legislação tornem as sanções penais
mais duras (respeitando sempre o princípio da proporcionalidade), a fim
de coibir a prática de delitos que envolvem cor de pele (raça e
outras) em um esporte como o futebol, dentro e fora dos gramados.
Importante ampliar o investimento em câmeras de segurança de
reconhecimento facial de última geração para auxiliar na
identificação de infratores (que muitas vezes se torna difícil); e
sobretudo conscientização da população moderna em todos os setores,
neste caso o do futebol, com políticas de conscientização dos clubes,
torcidas e federações sobre estes crimes intoleráveis. As penas devem
ser mais eficazes e a luta contra o racismo não pode parar.
_ _ _*Eduardo Maurício é advogado no Brasil, Portugal e Hungria,
presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Internacional da
Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim), membro
da Associação Internacional de Direito Penal de Portugal (AIDP –
Portugal )  e da Associação Internacional de Direito Penal AIDP –
Paris, pós-graduado pela PUC-RS em Direito Penal e Criminologia,
pós-graduado em Direito Penal  Econômico Europeu, em Direito das
Contraordenações e Especialização em Direito Penal e Compliance,
todos pela Universidade de Coimbra/Portugal, pós-graduado pela CBF
(Confederação Brasileira de Futebol) Academy Brasil –  em formação
para intermediários de futebol, pós-graduando pela EBRADI em Direito
Penal e Processo Penal, pós-graduado pela Católica – Faculdade de
Direito – Escola de Lisboa em Ciências Jurídicas e mestrando em
Direito – Ciências |Jurídico Criminais, pela Universidade de
Coimbra/Portugal_