Pesquisa pública e inovação: a agricultura na vanguarda

Poucos sabem, mas, até os anos 1970, o Brasil era um grande importador de alimentos. Exportava café e açúcar, mas importava leite, manteiga, carnes, e até arroz e feijão. As famílias consumiam cerca de 40% da sua renda com alimentação. Nas últimas quatro décadas tudo mudou. Com investimentos em pesquisa e inovação e políticas públicas adequadas, o Brasil passou a produzir grande diversidade de alimentos com eficiência inigualável. A comida se tornou farta e mais barata: hoje gastamos algo como 16% da nossa renda com alimentação.

O Brasil realizou dois feitos importantes em tempo recorde: alcançou a  segurança alimentar e projetou-se como importante provedor de alimentos para o mundo. Hoje cerca de 70% do que produzimos fica aqui, para alimentar a nossa gente, e os restantes 30% vão a cerca de 180 mercados ao redor do mundo. Em 2012 as exportações agrícolas ultrapassaram pela primeira vez a marca dos US$ 100 bilhões. Em 2013 o agronegócio brasileiro representou 22,8% do PIB e foi responsável por 32% de todos os empregos no país.

O nosso país se tornou essa potência agrícola graças a uma combinação virtuosa de esforços públicos e privados. Como em todo o mundo, também aqui a pesquisa pública funciona como uma “locomotiva limpa-trilhos” que vai adiante removendo obstáculos, para que em seguida venha a “locomotiva da inovação” do setor privado, encontrando caminho desimpedido para investir com segurança e determinação, concretizando o desenvolvimento desejado.

Hoje essa sinergia se torna ainda mais necessária em função do aumento da complexidade dos mercados e dos sistemas produtivos. Por isso, a busca do equilíbrio entre os esforços públicos e privados será um desafio cada vez maior para a inovação tecnológica.  Se a pesquisa pública direcionar seus recursos para atuar em áreas atendidas com eficiência pelo setor privado, corre-se o risco de não serem combatidos problemas que só o setor público poderá enfrentar de forma adequada. Normalmente o setor privado não dedica esforço substancial à pesquisa e inovação de prazos longos, alto risco e resultados incertos.

Adaptação da agricultura às mudanças de clima é exemplo de desafio complexo que precisa ser tratado com prioridade pela pesquisa pública.   Estima-se que, só na safra de 2013, o prejuízo do agronegócio brasileiro decorrente de  problemas climáticos atingiu R$ 10 bilhões. Estudos da Unicamp e da Embrapa avaliam que estamos perdendo 2,5% do PIB agrícola a cada ano devido ao aquecimento global. Esses problemas irão se intensificar, trazendo riscos para todos os agricultores brasileiros – do familiar ao empresarial. Nossas plantas e animais precisam se adaptar a uma realidade de eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes.

O Brasil investiu, nas últimas duas safras, R$ 9 bilhões numa política de promoção da agricultura de baixo carbono, assentada em práticas como a recuperação de pastagens degradadas, o plantio direto, a integração lavoura-pecuária-floresta, a fixação biológica de nitrogênio e o manejo de resíduos, criadas ou aprimoradas pela pesquisa pública. Com sua capilaridade, a Embrapa se ocupa em organizar uma aliança de 400 pesquisadores que buscam alternativas para reduzir os prejuízos causados por alterações de clima.

Outra frente que demanda  atenção da pesquisa pública é a defesa contra pragas e doenças. Temos quase 17 mil quilômetros de divisas terrestres, grande parte em florestas, mais de 7.300 quilômetros de fronteiras marítimas e um espaço aéreo de mais de oito milhões de quilômetros quadrados. Há cerca de 450 pragas e doenças de alto risco aguardando a chance de invadir o Brasil. É difícil conter as invasões de pragas e doenças ou prever qual delas chegará primeiro.

A pesquisa pública está atenta, para antecipar e responder a tais riscos. Além da constante busca de soluções para problemas já instalados, como a ferrugem da soja, o greening dos citros, a mosca-do-chifre e o carrapato bovino, há grande esforço para se desenvolver plantas resistentes a doenças devastadoras que ainda não chegaram aqui e que podem causar prejuízos enormes aos agricultores e à população.  A Embrapa desenvolve um programa inédito de melhoramento genético preventivo, em parceria com órgãos de defesa agropecuária e de pesquisa, federais e estaduais, empresas privadas e associações de produtores, do Brasil e de outros países.

Mudanças climáticas e defesa agropecuária são exemplos dos diversos desafios complexos que estão sendo tratados pelas organizações públicas de pesquisa agropecuária no Brasil. É, portanto, importante que as nossas lideranças e a sociedade em geral compreendam e valorizem a pesquisa pública e colaborem para o seu fortalecimento. Este é o caminho seguro para que Brasil se mantenha na vanguarda do desenvolvimento tecnológico para a segurança alimentar e nutricional, tão necessário para a manutenção da paz no futuro.

Maurício Antônio Lopes é presidente da Embrapa

 

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