O PERFEITO É INIMIGO DO BOM
Não foi uma nem duas, e sim várias vezes em que encontrei pessoas que se cobravam demais em busca da perfeição. Essa semana uma das minhas clientes da terapia me confessou que estava, há cinco dias, com um trabalho concluído no computador e só faltava “dar o enter” e enviar para o cliente. Disse que não conseguia fazer isso e estava sofrendo, que sempre fica nessa angústia olhando para os projetos, tentando achar o que poderia ser melhorado, revisando e revisando… “mas parece que nunca está perfeito”, disse ela.
Lembro também que há alguns anos outro cliente, um designer incrível, enfrentava o mesmo problema. Atrasava sempre a entrega dos trabalhos, chegava a se prejudicar porque criou a fama de nunca cumprir o prazo e quando entregava suas demandas ficava com a sensação de que poderia ter feito melhor.
Tanto no primeiro exemplo quanto no segundo, ambos os profissionais eram requisitados, recebiam elogios, deixavam os clientes satisfeitos, mas a busca pela perfeição permanecia ali, corroendo por dentro. Uma busca inalcançável e que os deixavam frustrados, se sentindo incapacitados, incompletos e insuficientes.
Sabe aquela frase: “fulano não bota fé em si mesmo”? Pessoas assim costumam ser ótimas no que fazem e os que estão em volta têm essa percepção, mas eles próprios não têm. Mais do que a cobrança externa, existe uma cobrança interna exagerada. Os autocríticos costumam ser impiedosos consigo mesmos. Já com os outros eles são compreensivos e empáticos. Esse é um comportamento comum em pessoas que sentem muita pressão (normalmente da própria mente) que as obrigam a ser excepcionais como se, só assim, conseguissem ser admiradas, amadas e aceitas. Elas sofrem, inclusive, com a possibilidade de passarem vergonha ou serem humilhadas de alguma forma. Um medo que é irracional (provavelmente com um registro inconsciente do passado), fazendo com que se comportem assim sem entenderem bem o porquê.
No livro The Perfection Trap (“A armadilha da perfeição”, na tradução em português), Thomas Curran, professor de psicologia e ciências do comportamento da London School of Economics, questiona sobre a ideia de que é preciso ser excepcional para progredir na vida. Desde 1989 Curran estudou inúmeros casos de estudantes universitários que buscavam o perfeccionismo e detectou um aumento de 40% do chamado “perfeccionismo socialmente prescrito”. Esse termo é usado para casos em que a pessoa se torna obstinadamente vigilante sobre o seu desempenho em relação a outras pessoas. Observando os dados ao longo dos seus anos de estudo, percebeu que “o perfeccionismo pode ter diversas desvantagens como: Prevenção, contenção e procrastinação”. Segundo o professor “pelo medo de não parecermos perfeitos acabamos nem tentando”. E ressalta que “o perfeccionismo não é o segredo do sucesso que muitos pensam ser. Não só porque nos sentirmos ineficientes, mas por ter impactos sobre a nossa saúde mental, aumentando os níveis de depressão, ansiedade e burnout”.
Em alguns casos as pessoas percebem que há algo de errado, que sofrem, no âmbito pessoal e profissional, com o fato de serem perfeccionistas. Já outros não consideram o perfeccionismo uma falha e acham que ele é necessário para ter sucesso, até que a angústia e a ansiedade aumentam e eles caem na real.
Seja fazendo uma autoanálise (porque eu também já sofri com isso no passado), seja tratando meus clientes ou avaliando objetos de pesquisas, eu chego à conclusão de que uma das frases mais sensatas que já ouvi é: “o perfeito é inimigo do bom”. A pessoa que almeja ser boa no que faz, sem a pretensão da perfeição, acaba se superando e fazendo melhor do ela mesmo espera (de forma natural). Ela se permite ser feliz durante o processo porque não está focada no final, na conclusão da tarefa. Ela se diverte no caminho, no percurso, durante a execução do que ela se propõe a fazer.
Portanto, se você vive concentrado na perfeição, saiba que o seu cérebro pode perder todo o sentido de diversão e criatividade. Lembre-se, como eu já escrevi nessa coluna anteriormente, que errar também faz parte do processo. Só nos tornamos bons em algo, se cometemos erros, corrigimos e nos aprimoramos. Os novos desafios e os erros nos permitem conexões neurais, a chamada neuroplasticidade, e isso nos traz mais aprendizado, como se nosso cérebro ficasse mais preparado, mais forte e “musculoso”.
Se ser perfeccionista nos torna ansiosos, com a sensação de inadequação, ser mediano nos faz saudáveis. Sem falar nas questões hormonais. Quando vivemos numa luta constante tentando ser excepcionais, recebemos uma descarga de dopamina (o hormônio da recompensa) a cada grande conquista. Assim, nosso corpo começa a precisar de doses cada vez mais altas dessa substância para nos sentirmos realizados e satisfeitos, num limite sem fim. Uma boa estratégia para sair desse “ciclo vicioso” é você se submeter a fazer coisas novas, das quais não sabe, não é expert. Sendo algo novo, logicamente você não se cobrará se não acertar de primeira e então sua mente vai começar a perceber que existem outras fontes para liberar esse mesmo hormônio da satisfação. Por exemplo, quando se é bom, mediano ou esforçado. Ou seja, quando se é saudável. Não necessariamente quando se é perfeito!
Se esse texto fez sentido pra você, compartilhe com as pessoas que você gosta e que, talvez, estejam se cobrando demais. Obrigada por me acompanhar até aqui e um bom final de semana!