O choque de indigestão de Aécio
Do ponto de vista financeiro, o choque de gestão em Minas foi um fracasso tão grande quanto o foi do ponto de vista social. Mas Aécio não concorda
O documento de 31 de janeiro de 2013, reverenciando os dez anos do choque de gestão promovido pelo governo do PSDB em Minas Gerais, inicia com a seguinte afirmativa: “O programa choque de gestão se tornou a principal referência em administração pública no Brasil”.
E continua da seguinte maneira: “O ponto de partida era uma ideia simples, inovadora e de grande impacto: gastar menos com o governo e mais com o cidadão. Ao mesmo tempo, reduzir o peso dos recursos destinados à máquina administrativa e ampliar os investimentos destinados a melhorar a qualidade de vida das pessoas em áreas como saúde, educação, segurança, infraestrutura, meio ambiente e geração de emprego e renda entre outras”. Vamos por partes.
Saúde. Em adição a essa proposta, Aécio Neves, hoje candidato à Presidência, vem afirmando que deu prioridade à saúde. Todavia, Minas foi o 22º dos 27 Estados em percentual da receita alocada à saúde, aproximadamente a metade do percentual de unidades federativas relativamente mais pobres, como Amazonas, Bahia e Pernambuco. Nesse item compete com Maranhão, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Mas Aécio não mente jamais.
Educação. Aécio vem confirmando a prioridade de seu programa de choque de gestão no setor de educação e do imenso sucesso que teve seu governo nesse setor. Entretanto, reservou para essa área um percentual de seu Orçamento de 2009 menor que qualquer outro Estado naquele ano, com exceção do Espírito Santo.
Isso significou metade do que o Ceará e muito menos que Estados mais pobres e, supostamente, menos desenvolvidos, como Maranhão, Acre, Roraima, Tocantins. Fica em 26º lugar entre 27. Mas Aécio não mente jamais.
Segurança. O choque de gestão de Aécio propunha poupar em gastos governamentais para aplicar em investimentos em saúde, educação e segurança, enfim, na qualidade de vida de toda população.
Ora, do total de investimentos entre 2004 e 2008, apenas 6,57% foram aplicados em educação, 8,78% em saúde e 6,87% em segurança. Os outros 77,8% foram, entretanto, aplicados principalmente em obras monumentais em Belo Horizonte, onde haveria maior visibilidade, não em obras de interesse imediato do cidadão.
Como consequência a criminalidade, ao contrário do que afirma Aécio, medida pelo número de ocorrências policiais aumentou em 69% de 2002 a 2008. Mas Aécio Neves não mente jamais.
O choque de gestão, em sua versão original, denunciava como alarmante um deficit para 2003, que seria de R$ 2,3 bilhões.
O resultado depois de oito anos de choque de gestão foi passar a dívida pública de um valor de R$ 18,5 bilhões, em 1998 (governo Eduardo Azeredo), para R$ 56,4 bilhões, em 2009. Não somente foram gastos no serviço de dívida mais R$ 40 bilhões, como aumentou em valores reais mais que 100% durante o governo de Aécio Neves.
Em 2009, Minas Gerais tornou-se o terceiro Estado mais endividado em percentual de seu Orçamento anual, melhor apenas que o Rio Grande do Sul e que Alagoas. Do ponto de vista financeiro, portanto, o choque de gestão foi um fracasso tão grande quanto o foi do ponto de vista social. Mas Aécio não concorda e Aécio não mente jamais.
ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, 83, físico, é professor emérito da Unicamp e membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e do Conselho Editorial da Folha