Ajustes em dietas podem garantir a ovinos melhor resiliência ante a verminose
Uma estratégia nutricional capaz de incrementar resiliência animal para as infecções parasitárias pode resultar em uso mais otimizado de vermífugos
Uma pesquisa conduzida pela Embrapa demonstra que, com ajustes nas proporções de alimentos na dieta, ovinos infectados com verminose podem ter indicadores de desempenho, como ganho de peso e características de carcaça, semelhantes aos de animais saudáveis. Com os diferentes manejos nutricionais, equilibrando alimentos que são fontes dos dois grupos de nutrientes dietéticos principais, proteína e energia, os cordeiros do experimento manifestaram até mesmo menor presença de parasitos. O resultado demonstra maior capacidade de resistir à infecção parasitária, por meio de compensações metabólicas e, assim, manter índices produtivos, ou seja, a dieta adequada promove resiliência à verminose.
De acordo com o pesquisador Marcos Cláudio Rogério, da área de Nutrição Animal da Embrapa Caprinos e Ovinos, o experimento aponta uma novidade: o que incrementou a resiliência dos animais não foi simplesmente um maior aporte de alimentos fontes de proteínas, mas encontrar, na dieta, um nível ideal de aporte das chamadas proteínas metabolizáveis (aquelas de fato absorvíveis pelo organismo dos animais). Esse ajuste implica equilibrar não somente os alimentos proteicos, como também os energéticos, pois estes fornecem energia para a síntese de proteínas microbianas que acontece no aparelho digestivo dos animais.
“Acreditava-se que o incremento da resiliência às infecções parasitárias por conta da adequada nutrição animal estava simplesmente no aporte crescente de proteínas nas dietas para pequenos ruminantes. Isso funciona bem até certo ponto. Porque se formos adicionar
concentrados proteicos indefinidamente, o excesso será eliminado nas fezes e não aproveitado. Além disso, simplesmente incrementar os níveis de proteína bruta não dá garantia de absorção dessas proteínas e de seus aminoácidos, que podem ser indigestíveis”, observa Rogério, que liderou a equipe responsável pela pesquisa.
A pesquisa
No experimento, 40 cordeiros machos foram utilizados e divididos em grupos onde parte foi artificialmente infectada pelo Haemonchus contortus, parasita gastrointestinal que é um dos principais causadores de verminoses em caprinos e ovinos. Divididos em grupos, receberam dietas com diferentes proporções de alimentos volumosos (fontes de energia) e concentrados (fontes de proteína).
A partir da inclusão de 35% de concentrado (65% de proporção volumosa na dieta), houve redução de mais de 65% na contagem do número de ovos por grama de fezes (OPG) em animais infectados e redução em mais de 63% da quantidade de Haemonchus contortus presentes no abomaso, estrutura do estômago de ruminantes. O OPG é um indicador que apresenta o grau da infecção por parasitos.
Conforme as dietas avaliadas, também foram verificados em ovinos infectados que consumiram de 58% a até 69% de concentrado, valores de conversão alimentar similares àqueles verificados para animais não infectados, recebendo as mesmas proporções de concentrado. No caso de cordeiros infectados que receberam a dieta com uma formulação proporcional de 69% de concentrado e 31% de volumoso, por exemplo, houve ganho de peso médio diário de 261 gramas (g), um rendimento muito semelhante ao dos animais não infectados que, com essa mesma dieta, apresentaram ganho de peso médio de 265 g/dia. Já o escore corporal final para os animais em dieta com essa composição foi o mesmo para os infectados e também para os não infectados: índice 3 (veja tabela).
“O uso de dietas com 58% de concentrado seguindo as formulações dietéticas desenvolvidas com a pesquisa, por exemplo, já garante o incremento da resiliência às infecções parasitárias. Não precisa se utilizar de dietas com elevada proporção de concentrado para se atingir esse objetivo, nem utilizar excessiva quantidade de concentrados proteicos, que são caros. O importante é o ajuste dietético visando ao incremento no fornecimento da proteína metabolizável”, explica Rogério.
De acordo com ele, os resultados abrem uma nova perspectiva: estabelecer parcerias com o setor produtivo para o desenvolvimento conjunto de rações, aditivos alimentares e
suplementos específicos para determinadas categorias de animais – como crias, animais em confinamento, fêmeas em lactação – conforme suas necessidades nutricionais. Esse incremento da resiliência às infecções pode colaborar também para a sustentabilidade de sistemas de produção, reduzindo a dependência de vermífugos para minimizar as perdas produtivas da verminose.
Na avaliação da zootecnista Rafaela Miranda, que pesquisou sobre o assunto para a sua tese de doutorado em Ciência Animal Tropical na Universidade Federal de Tocantins (UFT), as pesquisas que investigam a relação entre componentes nutricionais e redução da verminose têm potencial para criações economicamente mais viáveis. “Esses estudos podem contribuir para o aumento da produtividade do rebanho, redução da mortalidade, redução da idade ao abate, produzindo, dessa forma, animais jovens e com melhores características de carcaças”, afirma.
Para a zootecnista, que atua como consultora na empresa Granforte Nutrição Animal, um avanço científico nessa área poderá favorecer o surgimento de novos produtos para a dieta de ovinos e também as alternativas de manejo nutricional dos criadores. “Os produtos podem resultar em maior produtividade animal e direcionar o criador na escolha das dietas e planos nutricionais adequados de acordo com a sua realidade, viabilizando, assim, a produção de carne ovina no Brasil”, ressalta.
Resiliência e sustentabilidade na produção
A partir dos resultados do estudo, é possível pensar em alternativas que, ao promover melhor resiliência à verminose, garantam também maior sustentabilidade econômica e ambiental aos sistemas de produção de ovinos. A verminose é considerada uma das enfermidades com maior impacto para perdas econômicas e produtivas, ocasionando mortalidade de animais e prejuízos à qualidade dos produtos da ovinocultura, com dificuldades para consolidar a atividade diante das exigências dos mercados. Além disso, o uso indiscriminado de vermífugos produz resíduos de químicos nos produtos e no ambiente, assim como pode gerar problemas de resistência dos parasitas aos medicamentos.
Essas estratégias nutricionais podem ser interessantes tanto para a criação em confinamento, permitindo melhor planejamento na compra de alimentos e venda de animais, como na criação a pasto, em que fatores como umidade, alta concentração de animais e indisponibilidade de nutrientes podem prejudicar uma resposta imunológica dos animais contra a verminose.
“Cada vez mais tem se pensado em sistemas de produção animal sustentáveis ambientalmente e, até mesmo, orgânicos. Utilizar-se de dietas que incrementem a resiliência dos animais às infecções parasitárias reduz a dependência aos anti-helmínticos para o controle parasitário. Assim, não haverá necessidade de administração de vermífugos ou, pelo menos, haverá uma redução considerável desse uso. Haverá também a redução de custos com mão de obra para manejo sanitário. Outro aspecto é evitar a resistência dos helmintos aos princípios farmacológicos que compõem os anti-helmínticos”, detalha o pesquisador da Embrapa Luiz Vieira, que também integrou a equipe da pesquisa.
Já Rogério reforça que o fornecimento de nutrientes em quantidade e qualidade é o caminho a se buscar para fortalecer esta estratégia. “Os animais continuarão apresentando adequados índices produtivos numa convivência mais harmoniosa com os helmintos. O ponto principal da pesquisa não é eliminar os helmintos por completo, mas evitar que a presença deles leve à queda dos índices produtivos”, frisa o cientista.