Jargão “quem procura acha” deve ser trocado pelo “quem procura, cura”
Por Alfio José Tincani, cirurgião de cabeça e pescoço – Unicamp
O Dia Mundial do Câncer, lembrado em 4 de fevereiro, é uma iniciativa da União Internacional para o Controle do Câncer (UICC) e tem grande importância para oferecer as principais informações sobre prevenção e controle do câncer à população e aos profissionais da saúde.
A maioria dos cânceres que acometem a região de cabeça e pescoço são os chamados carcinomas epidermóide (ou carcinoma espino celular ou ainda carcinoma de células escamosas). Ocorrem na mucosa da região respiratória e alimentar (boca, faringe, laringe e nariz). Ou podem surgir ainda na pele da face, pescoço, tireoide e couro cabeludo.
Está entre os mais incidentes no Brasil, causando cerca de 10 mil mortes ao ano. Cerca de 70% dos casos de câncer de cabeça e pescoço são descobertos já em estágio avançado, muitas vezes por falta de informação das pessoas sobre a doença.
Prevenção
Os principais fatores que podem causar câncer nesta região se devem ao fumo e a bebidas alcoólicas, principalmente por longos períodos e em grande quantidade. Hoje também sabemos que alguns vírus como o HPV podem causar câncer na boca, principalmente nos jovens. A infecção pelo papilomavírus humano (HPV), transmitido sexualmente, tem aumentado a incidência de câncer de cabeça e pescoço. As regiões mais acometidas pelas lesões são faringe, cavidade oral e laringe. Vacinar as meninas de 9 a 14 anos e os meninos de 11 a 14 anos contra o HPV ajuda na prevenção.
Assim, o ideal é não fumar, beber com moderação e não ter uma vida sexual promíscua. O uso de protetor solar, chapéu e evitar exposição ao sol prolongada entre 10h e 16h também deve ser considerado.
Causas
O câncer não tem uma causa única. Cerca de 80% e 90% dos casos são associados a causas externas e a população deve estar ciente disto. Manter uma alimentação saudável, praticar atividade física, cuidar da higiene bucal, evitar o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, usar protetor solar e parar de fumar são medidas imperativas. Parar de fumar, inclusive, é a melhor maneira de evitar a maioria dos cânceres de boca, faringe e laringe além da ocorrência em outros órgãos. Há ainda fatores como hormônios, condições imunológicas e mutações genéticas que podem iniciar o câncer.
Diagnóstico precoce
A atenção às mudanças no corpo é fundamental para o diagnóstico. O autoexame da pele, boca e a procura de profissional da saúde (médico ou dentista) fazem toda a diferença ao doente com este tipo de tumor. O jargão “quem procura acha” deve ser trocado pelo “quem procura, cura”.
Na boca, as feridas ou supostas aftas que não cicatrizam, principalmente em bordas da língua, devem receber atenção e análise de um profissional;
Mudança de voz (rouquidão) que não melhora com tratamento convencional por mais de quatro a seis semanas;
Dificuldade na deglutição (engolir alimentos);
Presença de caroço no pescoço;
Na pele, lesões ou feridas que não cicatrizam, aumentam de tamanho ou sangram;
Pintas ou manchas escuras que se modificam em tamanho, formato e que coçam;
Tratamento e avanços médicos
A cirurgia tem um papel crucial e é o tratamento mais utilizado, principalmente nos tumores iniciais. As biopsias são de suma importância para diagnosticar os tumores. A radioterapia também é utilizada e muitas vezes está associada com a cirurgia. Hoje temos ainda a quimioterapia e a imunoterapia que podem ser feitas complementando a radioterapia antes e/ou depois da cirurgia. Estes medicamentos ajudam a eliminar ou impedir a multiplicação de células cancerígenas, principalmente nas áreas em que o tumor não pode ser removido com a cirurgia e ou a radioterapia. Em casos de tumores avançados, estas modalidades de tratamento em conjunto podem também ajudar no controle de sintomas. Tudo isto vai depender inclusive no acompanhamento do paciente.
A terapia-alvo já existe e é um tratamento de câncer que está se popularizando por focar em moléculas que estão presentes no câncer. É uma excelente perspectiva no tratamento do câncer em geral e que difere da quimioterapia que atua em todas as células, tanto as benignas como as malignas.
A imunoterapia também é considerada como um dos principais avanços no tratamento do câncer. Ela age de forma distinta das quimioterapias e das terapias-alvo moleculares. Enquanto essas últimas baseiam-se em atacar as células tumorais diretamente, a imunoterapia auxilia o próprio sistema imunológico do paciente a identificar e combater o câncer, mas ela não se aplica a todos os casos. No Brasil existem medicamentos imunoterápicos aprovados para os cânceres de cabeça e pescoço, pulmão, rim, bexiga, estômago, melanoma e alguns subtipos de cânceres de mama e de pele.
Vale dizer que são tratamentos de alto custo e exercem impactos na qualidade de vida.
Impacto na qualidade de vida
O impacto na vida da pessoa depende do tipo do tumor e localização. Tumores iniciais de pele, de tireoide e alguns na mucosa da região de cabeça e pescoço são resolvidos com a cirurgia e afetam pouco o bem-estar dos pacientes. A recuperação costuma ser rápida e a volta à normalidade ocorre em poucas semanas.
Já os tumores em estágios avançados, que necessitam que parte ou todo um órgão seja retirado, afeta bem a qualidade de vida da pessoa.
Neste caso, existem medidas de suporte e terapias complementares que podem melhorar o cotidiano dos pacientes. No IOU há uma equipe multidisciplinar composta por enfermagem em todas as suas escalas, fisioterapeutas, fonoterapeutas, nutrologistas, psicólogos além de dentistas e médicos. Cada um faz a sua parte para contribuir que o paciente sofra o menor impacto possível. Há casos em que o tratamento é longo e, muitas vezes, permanente.
Educação pública
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a cada ano espera-se cerca de 1,5 milhão de novos casos de câncer de cabeça e pescoço, com cerca de 460 mil mortes. Entre os homens, o tumor mais comum é o de boca, enquanto entre as mulheres é o de tireoide.
A informação tem grande importância para evitar que o desconhecimento das causas que promovem tumores seja negligenciado. Sabendo em tempo hábil, pode haver cura em mais 90% dos casos, quando em suas fases iniciais. Isto é válido para todo tipo de tumor.
O Instituto de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça & Pescoço (IOU), na Unicamp, é um centro especializado no diagnóstico e tratamento do câncer de boca. Nós somos pioneiros no Brasil, da técnica de pesquisa de linfonodo sentinela. Como a via de disseminação do câncer de boca é via linfática, os gânglios do pescoço, são a principal sede das metástases. Mesmo tumores iniciais podem ter risco de metástase linfáticas, não detectáveis a exames mais sofisticados de imagem. Assim com esta técnica de medicina nuclear, identificamos o linfonodo de maior risco e retiramos apenas este, sem necessidade de cirurgia mais extensa de esvaziamento cervical, com dissecção de vasos e nervos do pescoço, esta, uma cirurgia de maior morbidade. Na pesquisa de linfonodo sentinela o paciente fica um dia internado no máximo, com melhor recuperação.
Sobre o autor
Coordenador da Área de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Departamento de Cirurgia da FCM – Unicamp. Professor Titular na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp; atua principalmente em tumores de cabeça e pescoço. Membro da Latin American Thyroid Society (LATS). Pesquisador no Grupo de “Pesquisa de Genética Molecular do Câncer (GEMOCA)” atuando em Biomarcadores do Câncer da Tireoide e Fatores Predisponentes ao Câncer da Tireoide. Membro da Câmara Técnica de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Conselho Federal de Medicina – Brasília.
Serviço
Instituto de Otorrinolaringologia & Cirurgia de Cabeça e Pescoço – IOU, na Unicamp
Endereço: Av. José Roberto Magalhães Teixeira, 150 Campinas/SP
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