NÓS, OS JACOBINOS, E A DEMOCRACIA EM MOVIMENTO.

Pedro Benedito Maciel Neto

Fui convidado a participar de um programa de entrevistas na TV Câmara aqui em Campinas, o “Ponto de Vista ”. Foi uma experiência espetacular, pude falar sobre “Democracia e Desenvolvimento Social” por quase quarenta minutos, fiquei positivamente impressionado com a estrutura, com a competência e cortesia de duas jornalistas que me receberam e de todos no estúdio.

As duas jovens jornalistas gentilmente me conduziram até o estúdio, uma delas disse conhecer meu filho e minha nora, jornalistas como ela, o que emprestou ao momento um caráter carinhoso e pessoal; carinho e pessoalidade fazem tanta falta nesses dias de relações assépticas.

Iniciada a entrevista o primeiro desafio posto pela competente jornalista Rubia de Oliveira estava contido na singela pergunta: “o que é democracia?”

Eu poderia ter dito apenas que democracia é o governo em que o povo exerce a soberania, ou que trata-se do sistema político em que os cidadãos elegem os seus dirigentes por meio de eleições periódicas. Talvez a resposta simples até bastasse, mas seria fácil demais e, como já confessei aqui, o que me interessa é a polêmica, o incômodo, por isso aceitei o desafio.

Então eu respondi que ela [a democracia] é um valor, um processo, é movimento e a capacidade de incluir cada vez mais pessoas no processo decisório; afirmei também que a democracia permanentemente se transforma, razão pela qual temos que buscar o seu aperfeiçoamento, além de garantir a liberdade de escolha e o respeito à pluralidade de ideias.

A entrevista foi na quarta-feira à tarde, ao vivo, e no dia seguinte pela manhã recebi as primeiras críticas, especialmente por eu ter afirmado que a democracia é um processo, é movimento e está em permanente transformação.

Os críticos, antipetistas do meu entorno, interpretaram a ideia de democracia como “movimento e transformação” como uma forma dissimulada de validar a afirmação de Lula de que haveria na democracia um componente de relatividade (cuidar da cultura política dos incautos deveria ser trabalho remunerado, mas não é, portanto, sigo com o voluntariado).

Um pouco de história. Quando, em 21 de setembro de 1792, 749 deputados franceses se reuniram para discutir os rumos que a França tomaria após os acontecimentos decorrentes da Revolução Francesa, os girondinos (moderados) se sentaram à direita na sala, os jacobinos (radicais) se sentaram à esquerda, e os oscilantes sentaram-se no centro, por certo eles não imaginavam que os lugares em que se sentaram naquela assembleia lançariam as bases para o vocabulário político diádico de direita e esquerda até os dias atuais.

Estarei sempre à esquerda na sala, pois, sou radicalmente democrata e um democrata radical, não reconheço caminho para aperfeiçoamento institucional fora da ação social, no sentido weberiano; a conduta do indivíduo que reflete sentido tanto para ele quanto para aqueles que são afetados; e, ação e política apenas acontecem validamente quando entramos em contato uns com os outros.

Portanto, Democracia não é conceito “relativo”, é valor universal e está sempre em movimento e transformação.
Eu não estou sozinho nesse ponto de vista, Norberto Bobbio – infinitamente mais qualificado do que eu – no seu “O futuro da democracia – A defesa das regras do jogo” afirma que, no estado atual, apesar das contradições nos regimes democráticos o trabalho dos democratas e da sociedade é compreendê-las e respeitar as “regras” constitucionais, pois somente assim será possível fortalecê-la e aperfeiçoá-la.

Ainda segundo Bobbio, “Para um regime democrático, o estar em transformação é seu estado natural: a democracia é dinâmica, o despotismo é estático e sempre igual a si mesmo”, por isso, quando se fala em democracia – como contraposição à autocracia -, temos que entender como um conjunto de regras que estabelecem quem pode tomar decisões pela coletividade e quais são os procedimentos.

Portanto, que os críticos antipetistas lancem suas frustrações e ressentimentos também a Bobbio e contraponham argumentos de forma substantiva, pois, em sendo assim o debate tão necessário passa a ser contributivo e não mera negação panfletária.
Como dito acima, a democracia – para criar uma sociedade de iguais e de um desejado Estado de bem-estar- social – deve preservar a liberdade da ação política e a pluralidade, além de fazer uso da conversação e da negociação como método, pois são essenciais para que pendências entre diversos interesses sejam, se não equacionadas, pelo menos equiparadas, tendo como objetivo benefícios comuns e recuos necessários para o entendimento.

Fica claro que não bastam eleições periódicas, elas precisam ser livres e plurais, é necessária a participação da sociedade civil no controle, entendendo “sociedade civil” como todas as formas de ação social levadas a cabo por indivíduos ou grupos que não emanam do Estado nem são por ele determinadas. Nesse mesmo quadrante podemos incluir o conceito de “sociedade civil organizada”, que é toda estrutura organizativa cujos membros servem o interesse geral através de um processo democrático, atuando como intermediários entre os poderes públicos e os cidadãos.

Enfim, a democracia, como valor universal, deve se contrapor a todas as formas autoritárias de exercício da política; deve se contrapor radicalmente a todo tipo de regimes totalitários ou autoritários, sejam autodeclarados de direita ou de esquerda.
Democracia é valor universal, não um valor absoluto ou abstrato, pois ela se manifesta e consolida em práticas sociais e políticas cotidianas, exige um grande esforço e atenção constante no seu aperfeiçoamento. Tratá-la como um valor absoluto é o mesmo que retirar a política da história e pensá-la como algo divino, quando é artefato humano.
Essas são as reflexões.

Pedro Benedito Maciel Neto, 59, advogado e pontepretano, sócio da www.macielneto.adv.br; autor de “Reflexões sobre o Estudo do Direito”, ed. Komedi, dentre outros; cursou mestrado em Processo Civil na PUC SP; Economia Monetária na UNICAMP e Filosofia Social na PUC Campinas; foi professor universitário; secretário municipal em Campinas e Sumaré; Presidente da COHAB e da Fundação Jose Pedro de Oliveira, sendo atualmente Conselheiro da SANASA S.A. – pedromaciel@macielneto.adv.br