O Indeferimento da Justiça Gratuita e seus Reflexos no Direito de Ação

Por que esse assunto importa tanto?
Podemos iniciar com uma pergunta simples: você conhece alguém que já deixou de procurar seus direitos porque não tinha dinheiro para pagar um advogado ou as taxas do processo? Aposto que sim. Isso acontece com mais frequência do que a gente imagina.
O acesso à justiça, que deveria ser um direito de todo cidadão, muitas vezes esbarra numa barreira silenciosa: o custo. E quando o pedido de justiça gratuita é negado, essa barreira vira um verdadeiro muro. É sobre isso que vamos conversar neste artigo.
Afinal, o que é justiça gratuita?
Justiça Gratuita é um mecanismo criado para ajudar quem não tem condições financeiras de arcar com as custas de um processo judicial. Ela serve para isentar a parte do pagamento de taxas, custas e outras despesas que podem surgir ao longo da ação.
A ideia é simples: ninguém deve ser impedido de buscar seus direitos por falta de dinheiro. E isso está previsto na própria Constituição Federal. O artigo 5º, inciso LXXIV, diz que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.
Mas como esse benefício funciona na prática?
Quando alguém entra com um processo e declara que não pode pagar as despesas judiciais, é possível fazer um pedido de gratuidade da justiça. Normalmente, isso é feito por meio de uma declaração de hipossuficiência — um documento redigido e afirmando que a pessoa não tem condições financeiras naquele momento.
Esse tipo de declaração tem, em regra, presunção de veracidade. Em outras palavras: o juiz deve confiar no que está sendo dito, a menos que existam provas no processo mostrando o contrário.
Mas quando o juiz pode negar esse pedido?
A Justiça Gratuita não é automática. Isso significa dizer que o juiz pode, sim, indeferir esse pedido. Porém, só deve assim fazer quando houver elementos concretos indicando que a parte pode sim arcar com os custos do processo sem prejuízo do próprio sustento, ou seja, ao contrário do que ela própria estaria afirmando.
Em outras palavras, se a pessoa declara por exemplo que não tem condições, no entanto, surge no processo demonstrando rendimentos altos, bens de valor ou movimentações bancárias incompatíveis com a alegação de pobreza, o juiz pode desconfiar — e nesse caso, com toda a certeza pode indeferir.
O que não pode acontecer é o magistrado negar o pedido com base apenas em suposição ou com base em critérios subjetivos ou sem qualquer fundamentação concreta.
E quando o pedido é negado? O que acontece?
Aqui está o problema mais grave. Se o pedido de Justiça Gratuita é indeferido, a pessoa é intimada a pagar as custas iniciais. E se não pagar no prazo legal que lhe é estabelecido, o processo pode ser então extinto antes mesmo de ser julgado.
Isso significa então, que o direito de ação, garantido pela Constituição no artigo 5º, inciso XXXV, fica no mundo da teoria, mas não se realiza na prática, ou seja, a pessoa quer reclamar de um direito, mas não consegue nem entrar na briga.
A seletividade perversa: quando a justiça serve só pra alguns
Não dá pra ignorar: negar a justiça gratuita sem qualquer fundamento seria analogicamente como transformar o Judiciário num clube exclusivo e reservado, onde só entra quem pode e tem condições de pagar. O problema é que o Brasil é um país com desigualdades enormes. Quando a justiça começa a fechar as portas para os mais pobres, ela perde sua função essencial.
Justiça que funciona só para quem tem dinheiro não é justiça, é privilégio. E o Poder Judiciário precisa estar extremamente atento a isso.
Exemplos que ilustram o problema
Em casos de ações trabalhistas, o indeferimento da gratuidade pode ser especialmente cruel. Imagine por exemplo o trabalhador que acabou de ser dispensado, muitas vezes sem receber suas verbas, ou seja, em situação de completa fragilidade. Se o pedido de gratuidade for negado, consequentemente ele ficará sem condições de lutar e fazer valer os seus direitos.
Um outro exemplo comum são os consumidores muitas vezes lesados por bancos, operadoras de telefonia ou lojas. Nesses casos, o valor da causa costuma ser baixo, no entanto, as custas para ingressar com uma ação são altas. Sem justiça gratuita, ninguém vai correr o risco de gastar mais no processo do que vai iria receber ao final.
Então, o que pode ser feito?
A primeira medida a ser feita é fortalecer a ideia de que Justiça Gratuita é um direito, e não um favor. Sendo assim, juízes e tribunais precisam seguir a lei e respeitar a presunção de veracidade da declaração de hipossuficiência.
Além disso, é preciso dar visibilidade a esse problema. O cidadão comum nem sempre entende por que seu processo foi arquivado por falta de pagamento das custas. Cabe aos profissionais do direito — advogados, defensores e servidores — explicar, orientar e lutar para que o acesso à justiça seja efetivo.
Conclusão – Justiça para todos, ou só para quem pode pagar?
O direito de ação é a porta de entrada para todos os outros direitos. Sem ele, nada se concretiza. Isso significa que o indeferimento injustificado da justiça gratuita fecha essa porta na cara de quem mais precisa.
É hora então de refletirmos: que tipo de sistema queremos alimentar? Um que protege o forte, ou um que acolhe o fraco?
A justiça gratuita, portanto, precisa ser tratada com seriedade, sobriedade e sensibilidade. Só assim a promessa constitucional de acesso universal à Justiça deixará de ser um discurso bonito e se tornará uma realidade viva.
Dr. Eraldo Luiz da Silva
OAB/SP: 517.582