A Ordem Econômica na Constituição

A pauta neoliberal está de volta desde Temer, propostas e ideias derrotadas nas urnas em 2002, 2006, 2010 e 2014 venceram em 2018. É verdade que tais ideias venceram sem debate e escudadas por um vazio discurso moralista, mas venceram.

Bem, com a reintrodução da agenda neoliberal a crença cega no tal Estado Mínimo voltou a ser professada, sem qualquer constrangimento e com apoio ostensivo de boa parte da mídia.

Penso que a volta das certezas que envolvem Estado mínimo, num país que ao longo da História não levou aos cidadãos o mínimo de Estado, é apenas um dos retrocessos que estamos testemunhando.

Defender o Estado Mínimo significa defender num projeto antidesenvolvimentista, pois não há nada mais velho e antissocial do que o enganoso “culto da austeridade”, remédio clássico seguido no Brasil dos anos de 1990 e aplicado na Europa desde 2008 com resultados catastróficos que vem recebendo enormes críticas de técnicos do próprio FMI.

Para uma reflexão honesta e crítica válida é necessário recuperarmos os fundamentos e princípios constitucionais que regem a Ordem Econômica, especialmente para acalmar o embate beligerante desnecessário, mas sempre presente.

A qual embate me refiro? Me refiro ao tolo e recorrente o debate entre os liberais (que defendem o tal “Estado Mínimo” e um “mercado” livre de regulação estatal) e os que defendem um Estado “forte”, no qual todas as atividades econômicas estariam sob a responsabilidade do Estado e todos os estágios da produção estariam sob o comando do governo.

Nenhum desses modelos está previsto na constituição.

Que me perdoem os liberais, mas a ação individual não possui a capacidade de prover o interesse social, apenas a ação estatal, não como negação da iniciativa individual, mas como condição mesma de sua sobrevivência o é.

Estado provedor e livre iniciativa não se opõem, mas se complementam. Pois a livre iniciativa individual é cega em relação às demandas sociais, apenas a ação do Estado é o meio eficiente de se atingir o progresso econômico e social.

Aliás, a nossa constituição orienta como deve ser a ordem econômica no nosso país e sua Carta Política não contempla extremos, nossa ordem econômica, s.m.j., prepara e orienta o caminho da socialdemocracia.

Se para o liberalismo clássico liberdade é a inexistência de compulsão e coerção nas relações entre os indivíduos, para a social democracia a falta de oportunidades de emprego, educação, saúde etc. são tão prejudiciais para a liberdade como a compulsão e coerção estatal.

Portanto, a ordem econômica constitucional não pode ser compreendida fora dessa quadra e quem defende o Estado Mínimo dá de ombros à ordem econômica prevista em nossa constituição.

O artigo 170 da Constituição determina que a ordem econômica no Brasil deve ser fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, que tem por objetivo assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.

Noutras palavras: nem Estado Mínimo, nem Estado exageradamente interventor. Esse é o comando constitucional.

E há também os princípios constitucionais para o desenvolvimento válido da ordem econômica, são eles: soberania nacional; propriedade privada; função social da propriedade; livre concorrência; defesa do consumidor; defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; redução das desigualdades regionais e sociais; busca do pleno emprego e o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

No que diz respeito às empresas de pequeno porte o artigo 179 da CF determina que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas de tais obrigações (não se pode esquecer que as micro e pequenas empresas concentram o maior número de empregados no Brasil; são responsáveis por cerca de 84% da geração de empregos, enquanto as médias e grandes ocupam apenas 16% da mão de obra).

E esses princípios que fundam a Ordem Econômica estão em perfeita harmonia com os fundamentos da república contidos no artigo 1º da Constituição (soberania; a cidadania; a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político) e com os objetivos da república elencados no artigo 2º da CF (construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação).

A ordem econômica deve assegurar a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

Ao Estado cabe o papel de agente normativo e regulador da atividade econômica, exercendo, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado, ou seja, não há espaço para a ideia de um Estado mínimo, pois, nas palavras de Paul Krugman: “É preciso muita ginástica intelectual para defender que o livre mercado estabiliza a si mesmo. Muitos economistas até criaram explicações para que as persistentes e elevadas taxas de desemprego não sejam mais consideradas deficiência do mercado. Mas certamente esse não é um ambiente muito amistoso a quem defenda o rigoroso funcionamento do livre mercado.”.

O debate necessário é o da qualidade dos serviços públicos, vamos enfrentá-lo, pois sem Estado não haveria universalização da educação e do ensino, da saúde ou da segurança pública; sem o Estado não haveria políticas públicas de distribuição de renda, nem o “Minha casa, minha vida”, PROUNI, FIES, Seguridade Social fundada na solidariedade; não haveria SEBRAE, universidades públicas, campanha nacional de vacinação, UPAs, nem nada.

Sem Estado emerge dos pântanos a barbárie e o “eficiente” processo de acumulação de riqueza nas mãos de poucos e o caos passa a ser contido com a violência.

Essa é a reflexão.

Pedro Benedito Maciel Neto, 55, advogado, sócio da MACIEL NETO ADVOCACIA, Presidente do Conselho de Administração da SANASA e autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, ed. Komedi, 2007 – pedromaciel@macielneto.adv.br

 

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