A possibilidade de ensino domiciliar é polêmica e opõe pais de alunos e órgãos públicos

Matéria: Paula Partyka

Projeto de lei que pretende regulamentar a educação domiciliar no Brasil é discutida desde 2015 e está em pauta no cenário atual

O presidente Jair Bolsonaro assinou na quinta-feira, 11 de abril, o projeto de lei que pretente regulamentar a educação domiciliar no Brasil. O texto não foi divulgado e ainda não está publicado no “Diário Oficial da União”. A proposta estava entre as prioridades dos 100 primeiros dias de governo, completados nesta quarta. Antes de entrar em vigor, o texto precisa tramitar no Congresso.

A educação domiciliar é uma modalidade de ensino em que pais ou tutores assumem o processo de aprendizagem das crianças, ensinando a elas os conteúdos ou contratando professores particulares. No entanto, não havia regras para a prática até então.

No artigo 205, a Constituição trata a educação como um “direito de todos e dever do Estado e da família”, a ser “promovida e incentivada com a colaboração da sociedade”. O objetivo é o “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que os menores tenham “acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência”. Assim, deixar de matricular crianças na escola poderia ser interpretado como abandono intelectual.

Agora, a medida provisória traz, segundo o governo, os requisitos mínimos que os pais ou responsáveis legais deverão cumprir para exercer esta opção, tais como o cadastro em plataforma a ser oferecida pelo Ministério da Educação (MEC) e possibilidade de avaliação.

Desde 2015, o tema aguarda uma determinação da Corte. A disputa coloca em lados opostos pais que desejam educar seus filhos em casa e o Poder Público que defende a obrigatoriedade da matrícula e a frequência escolar de crianças e adolescentes.

Em setembro de 2018, a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que educação domiciliar exigiria a aprovação de uma lei que assegurasse a avaliação do aprendizado e da socialização das crianças.

O promotor de Justiça, Raphael Fleury, faz algumas considerações sobre o tema. “Primeiramente eu vejo pela imprensa que o STF julgaria a possibilidade dos pais educarem seus filhos dentro de casa, não é isso que está em discussão. É evidente que isso não é vedado pelo nosso sistema, inclusive é fomentado por ele”. De acordo com o promotor, o que se está a discutir é sobre a obrigatoriedade da criança frequentar o ensino formal proporcionado por escolas, sejam elas públicas ou privadas.

A Constituição prevê que a educação é um direito de todos, um dever do estado e da família. O Ministério Público possui instrumentos para fazer valer esse direto. Ele cita que o Ministério como titular da ação penal pode promover uma ação penal contra um pai por abandono intelectual, pelo fato de impedir ou não incentivar que seu filho frequente uma instituição formal de ensino.

Ou seja, o sistema de educação é preparado para que as crianças sejam matriculadas e frequentem o ensino regular formal. Para desobrigar uma criança a não frequentar a escola e a família se comprometa a educar dentro de casa, seria necessário mudar todo o sistema de educação do país. “O estado não pode abandonar a situação dessa criança e deixar a mercê da família, tem que exercer um tipo de controle e realizar provas periódicas. Mas o nosso estado não está preparado para isso, nesse momento”, disse.

Outra questão que o promotor coloca são as consequências sociais de uma possível procedência desse pedido do STF. “Será que isso a longo prazo não baixaria ainda mais o nível da qualidade do nosso ensino? Não seria uma mensagem do estado, um incentivo para as crianças não ir para escola? Essas questões devem ser consideradas”, avalia.

Contrário dessa possibilidade, a escola tem a função, não só do desenvolvimento intelectual da criança e adolescente, mas principalmente do desenvolvimento social. “É no ambiente escolar que a criança tem as primeiras noções de sociabilidade. Ela vai conviver com as diferenças e aprimorar as habilidades sociais. Uma vez que a criança seja privada disso, ela ficaria sem esse tipo de desenvolvimento”, completa.

Para concluir, uma mudança no sistema de ensino nesse quesito, não seria saudável. “O estado não estaria preparado para realizar essa mudança, e juridicamente a constituição prevê princípios e diretrizes em relação a educação incompatíveis com esse sistema”, afirma.

Ele lembra que, a educação domiciliar é uma prática que já existe em outros países, é denominado como “homeschooling”. No plano internacional, o exemplo mais conhecido para essa prática são os Estados Unidos, onde mais de 3% dos alunos recebem educação em casa. Outros exemplos são Canadá, Austrália e Reino Unido. Ao todo, são 63 países que permitem a prática de ensino domiciliar.

Na Alemanha, o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha decidiu proibir a educação domiciliar em 2006. Segundo a decisão da corte, “é de justo interesse público contrariar a criação de ‘sociedades paralelas’ com motivações religiosas ou ideológicas e promover a integração de minorias”.

No Brasil, ao todo, são cerca de 15 mil crianças e adolescentes ensinados neste formato no país. Contra a prática de educação domiciliar, o Conselho Nacional de Educação (CNE) enfatizou a importância da escola para o exercício da tolerância e da cidadania. A ausência da diversidade cultural e de fundamento na Constituição foi destacada pela a Advocacia Geral da União (AGU), que também adotou posicionamento contrário.

Os argumentos

“Muita tristeza e indignação”, diz a professora Ivanira Olbertz, sobre a possibilidade do ensino domiciliar no Brasil. Professora há 35 anos, Ivanira afirma que isso não pode acontecer. “O Governo tem que melhorar a qualidade do ensino e não fazer uma proposta indecente dessa”.

Ela diz que embora um pai ou mãe seja professor de matemática ou português, ou qual seja a matéria, ele não consegue dar ao filho uma formação adequada. Ivanira fala que os pais podem até ensinar, “mas, só na escola com todas as disciplinas é possível formar cidadãos”, enaltece.

De seu ponto de vista, a criança tem que socializar, e o papel da escola é muito grande nessa parte. “Chega a hora de ir para escola ela tem que ir sim, é muito importante esse contato com a sociedade, para o seu crescimento num todo”.

A professora Dilce Gregório, que leciona há mais de 25 anos, diz que a família tem o papel de educar, mas ensinar o português, matemática, história e geografia é função da escola. Todavia, já ouviu falar bastante sobre o ensino em casa, “mas derruba a Lei de Diretrizes e Base da Educação (LDB), que fala sobre a obrigatoriedade da criança na escola”.

Ela teme que faltem crianças na escola. “E como vai ficar o professor? Ele já é tão pouco remunerado e valorizado pelo Governo, e as crianças estudando em casa com os pais como fica a sua situação?”, questiona.

Dilce, com base em achismos, acha que o que pode induzir à um pai optar pelo ensino domiciliar é a “não confiança na escola”. É a única coisa que ela acha que pode ser, mas o “por quê?” é uma incógnita.

Além de professora há tanto tempo, Dilce é mãe de três filhos e confia na escola. “Nunca que iria ficar com filho em casa. Hoje tenho um neto e já estou procurando uma escola para ele, porque só ficar em casa com minhas ideias ou com as ideias dos pais dele não vai ajudar em nada”, conclui.

A LDB, citada pela professora Dilce, é a legislação que regulamenta o sistema educacional público e privado do Brasil, da educação básica ao ensino superior. Ela reafirma o direito à educação, garantido pela Constituição Federal.

A Constituição trata a educação como um direito de todos e dever do Estado e da família, a ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade. O objetivo é o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Estabelece os princípios da educação e os deveres do Estado em relação à educação escolar pública, definindo as responsabilidades, em regime de colaboração, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

A reportagem do Jornal de Jaguariúna (JJ) questionou seus leitores sobre o tema. A Eliane Cristina comenta que há muita controvérsia sobre o tema. “Temos a educação mantida pelos pais em casa e a assumida por tutores e professores das mais diversas modalidades. São diferenças que precisam ter em mente. Um caso é aquela decisão de uma família sem recursos, outra é ter (e muito) recursos para dar suporte pedagógico ao filho (professores particulares, atividades culturais, suporte emocional, etc.) Existem casos e casos para ser analisados no homeschooling, desde crianças que realmente necessitam desta intervenção até o direito da criança de ter acesso ao ambiente escolar. Num Brasil com problemas sérios (evasão escolar, baixa aprendizagem…) seria mais interessante o MEC se voltar para um projeto que atinja mais que somente 7,5 mil famílias praticantes dessa modalidade. Temos outras prioridades na educação”, disse.

A Rosana Cotrufo considera que a opção do ensino domiciliar deve ser considera em casos onde a criança possui necessidades especiais e que não tenha nenhuma condição de ir para a escola, e que os pais tenham condições de fazer seu plano pedagógico como está previsto na lei. “Do contrário não dará certo! O ambiente escolar é necessário para a evolução da criança”, opina.

Em questões de conhecimentos para passar em um concurso, a leitora Tainá Almeida, argumenta que a capacidade para isso não pode ser medida. “Pois existem muitas crianças inteligentíssimas, mas ela não vai ter certificado, que só a escola pode dar. Além disso, falta a sociabilização da criança”, comenta.

A escola é um espaço de socializar, conhecer, aprender e descobrir habilidades. Para ela, o ensino domiciliar não é uma opção. “É bem absurdo e perigoso, visto que o aluno estudando na sala de aula já não tem muito interesse, como seria isso em casa? Eu não saberia ensinar matemática, nem geografia, nem qualquer outra matéria”, disse.

Ela questiona se, excluindo a necessidade da escola, os pais teriam algum curso para auxiliar e capacitar as crianças. Embora os pais tenham condições para isso, não há o suporte da escola, que nasceu para formar e ensinar.

Para Ana Flávia Ferreira, de 13 anos, estudante da rede municipal de Jaguariúna, essa não é uma opção. “Jamais abandonaria a escola e optaria pela educação domiciliar”, opina.

De acordo com ela, isso é errado. A escola possui muito mais suporte de ensino do que em casa. “Além disso, tem pais que nem terminaram o ensino fundamental, então não teriam capacidade de ensinar algo mais aprofundado para seus filhos”, diz.

A Danila Cristine Silva considera um absurdo e um retrocesso. “Nosso país não tem preparo. Um ato inconstitucional. Espero que não seja aprovado, um governo que quer gente alienada e manipulável”, disse.

Enquanto Nadir Olivera considera uma ótima ideia. “Mas tem que cumprir a lei”, argumenta. Assim como Vanda Sales também acha que é uma ideia ótima, maravilhosa.

 

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