Feira Hippie chega aos 50 anos recheada de sabores, criatividade e histórias
Crédito Foto: Juliana Servidoni
Do movimento hippie a um dos principais pontos turísticos da cidade, a feira está no coração dos campineiros
Carinhosamente chamada de Feira Hippie do Centro de Convivência, a Feira de Artes, Artesanato, Antiguidades, Quitutes e Esotéricos da praça Imprensa Fluminense chega aos seus 50 anos. Como a feira mais famosa de Campinas não tem um dia oficial de nascimento, a comemoração todos os anos é feita entre os meses de setembro e outubro. Agora em 2023, essa “senhora” faz bodas de ouro com o público que aproveita os finais de semana para tirar as crianças de casa, dar um passeio com o cachorro, comprar aquele presente diferente, almoçar ou jogar uma conversa fora em torno de alguma banca que reúne os conhecidos. A feira vai contar com uma programação especial para celebrar o aniversário de um dos maiores pontos turísticos da cidade que, desde 2018, é Patrimônio Cultural Imaterial do Estado.
Assim como seus frequentadores adoram passear na feira, ela também já andou bastante pela cidade. Em 1973, um grupo de expositores se organizou no Largo do Rosário, no centro, e, como eles tinham uma identidade com o movimento Hippie, esse foi o apelido da feira desde o início. Ao longo dos anos, os expositores foram migrando para o Largo São Benedito, Jardim Carlos Gomes até chegar à praça do Centro de Convivência onde está há 28 anos.
Na década de 60, o movimento Hippie fez parte da história de muitos países e também ganhou adeptos pelo Brasil. Em Campinas, essa manifestação tomou corpo com a reunião de alguns hippies no Largo do Rosário na década de 70 e quem fez parte desse primórdio foi Carlos Alberto Caserta, de 71 anos, conhecido como Erasmo, que tem uma banca de artigos de couro na feira. Sua banca não tem apenas cintos e bolsas feitas de couro, mas muita história. Ele ostenta orgulhoso dois banners que contam a trajetória da feira e um quadro com uma foto em preto e branco em que ele está com seu amigo desde a época do movimento hippie, Edson Cornélio, que fazia bijuterias e faleceu há seis anos.
Erasmo conta que começou no ofício desmanchando uma bolsa de couro da mãe para fazer quatro carteiras. Daí pegou gosto nesta arte que virou fonte de sustento da família e pagou os estudos da faculdade de Direito da filha. Mesmo fazendo um tratamento contra o câncer há sete meses, quando está disposto, ele faz questão de estar ao lado da esposa Adriana na feira, que classifica como algo muito além do trabalho “é a minha vida. Como em qualquer família tem os momentos bons, ruins, fofocas, mas o legal é que a união dos expositores prevalece”, conclui.
Na banca vizinha, o casal Einstein Venturini e Bel Palermo acumula mais tempo de feira do que de casamento. Há 41 anos, Bel fazia bonecas de pano e seguia a pé da sua casa no bairro Ponte Preta até o Jardim Carlos Gomes, sempre acompanhada do então namorado. O casamento veio dois anos depois e Einstein mesmo trabalhando no Sesi, sempre acompanhou a Bel nos finais de semana, que no início eram marcados por “perrengues” típicos de um negócio que está começando “eu saía de casa com 50 bonecas e voltava com as 50 porque nos primeiros três meses eu tinha apenas um pano no chão para expor minhas bonecas”, explica. Depois conseguiu montar uma mesinha, o que aumentou a visibilidade das bonecas e assim as vendas começaram a engrenar.
A época difícil ficou para trás e hoje eles trabalham juntos na produção de sabonetes, velas e aromatizantes “a feira é o nosso ganha pão, mas é uma coisa viciante, é um vício gostoso. Quando eu não venho na feira fica faltando alguma coisa. Tudo que temos hoje veio do trabalho da feira, que foi a vida que a gente escolheu, montando e desmontando barraca todo final de semana”, afirma Einstein.
Esse vício pela feira também é compartilhado por expositor que tem bem menos tempo de casa. É o caso de Rebecca Pereira, de 31 anos, que é uma das caçulas da feira. Com apenas cinco anos de feira, ela começou a fazer amigurumis (bonecos de pelúcia feitos de crochê ou tricô) para aliviar o stress quando trabalhava com vendas em uma agência de intercâmbio. O que até então era um hobby virou trabalho. Hoje, longe do escritório, ela está mais feliz fazendo artesanato “Antes eu sofria pressão para bater metas na empresa, mas aqui na feira eu sou minha própria pressão. Mesmo em um dia mais fraco de vendas a gente descontrai e se diverte. Foi a melhor decisão que eu tomei na minha vida”, explica Rebecca.
Programa obrigatório
Tem gente que não passa um final de semana sem visitar a feira. Alguns confessam que a única exceção é um dia de chuva. Entre os frequentadores cativos está Palmira Oliveira, que considera a feira como o quintal de casa, assim como sua cachorrinha Chanel “aqui eu faço amigos, encontro os cachorros e quando chove eu sinto muita falta. Feira Hippie sábado e domingo faz parte da minha vida”, comenta.
Já a professora aposentada Márcia Regina Archiná destaca a qualidade dos produtos oferecidos na feira “aqui tem tanta coisa bonita e diferente, as roupas, os artesanatos, os quitutes, a música, gosto de ver o movimento, de ver gente. Onde tem gente andando feliz é o que eu gosto”, define Márcia.
Pilotando seu carrinho elétrico por conta da mobilidade reduzida, o engenheiro civil Raul Bártholo fala sobre a espontaneidade dos encontros promovidos pela feira: “aqui é uma comunidade em que as coisas vão acontecendo, vamos encontrando pessoas novas, fazendo amizades. Gosto de ver as antiguidades, os objetos de família, as canetas-tinteiro que eu usava antigamente encontro aqui. A Feira Hippie é uma referência da nossa cidade”, conclui Bártholo.
Organização
Lidar com uma família tão grande nem sempre é fácil, afinal a feira cresceu muito e hoje conta com 270 expositores, mas esse desafio é encarado com entusiasmo e alegria por Mário César Mello Silva, o Marinho. Há três anos trabalhando como coordenador da feira, Marinho vai com muito jeito ouvindo as demandas e buscando as melhorias que os expositores procuram. Ao falar sobre a feira, Marinho é categórico dizendo que para trabalhar na feira tem que ter amor “a gente não pode ver a feira apenas como um trabalho. Para tudo correr bem precisa ter amor, essa feira foi amor à primeira vista. Adoro estar com a nossa população, com os expositores, frequentadores, vamos resolvendo os problemas juntos e aprendendo com todos. Esses 50 anos da Feira Hippie só vêm nos engrandecer como seres humanos e fazer a diferença. Eu amo aqui”, declara Marinho.
A Feira Hippie é gerenciada pela Secretaria de Cultura e Turismo. “Ficamos muito felizes de ver este novo momento da feira hippie. Temos feito muitos esforços para fortalecê-la com ações como passar a fazer os roteiros turísticos saindo do local, promover eventos durante o ano todo, entre outras. Apesar de toda a sua história, entendemos que a Feira Hippie precisa de investimentos sistemáticos no sentido de fortalecimento dela como um destino, um local de alternativa e como um patrimônio da cidade”, pontua a secretária municipal de Cultura e Turismo, Alexandra Caprioli.
O diretor de Turismo, Eros Vizel, complementa “temos muito que comemorar! Além da arte, artesanato, dos quitutes, esotéricos e das antiguidades, temos história, a tradição que é preservada pelas artesãs e artesãos e artesãos da feira, que são os grandes protagonistas desta trajetória”.
Programação
Nos próximos sábado, dia 30, e domingo, 31 de outubro, os 50 anos da feira serão comemorados com muita música na praça. Um show vai contar com bandas de pop rock, hip hop, rock progressivo, música raiz e Música Popular Brasileira. Nos dois dias as atrações começam às 9h e vão até às 14h.