Máscaras e acerolas

Por Gabriel Montenegro

Professor e psicólogo

Já parou pra pensar o quanto nossa expressão facial nos entrega? Certa vez ouvi de alguém, que mesmo morando distante da sua família, toda vez que encontra seus familiares, na hora do almoço todos percebem quando esse alguém está com fome, só por conta do bico. O bico entrega a fome, o sorriso dá lugar a uma cara amarrada e um bico esfomeado. Eu, particularmente, no momento de fome, não faço bico mas meu semblante muda totalmente também formando a famosa expressão “carrancuda”. Os anos pandêmicos que atravessamos nos trouxeram o uso de um acessório antes não valorizado em nosso país, as famigeradas máscaras, foi em meados de abril/maio de 2020, decreto oficial¹ todos usando máscaras como proteção ao vírus. De lá pra cá, não quero aqui dizer sobre o uso ou não uso da máscara, de sua eficácia ou não ao combate do vírus, mas quero dizer sobre a sua atuação em relação a autoestima e sobre seu simbolismo. 

Durante o período do uso obrigatório das máscaras, reconhecer alguém pelo olhar foi tarefa difícil, muitos de nós por vezes fomos taxados de mal educados na rua por não cumprimentar um conhecido devido justamente ao uso do item. Trabalhei em uma escola em que nunca se quer vi o nariz de alguns colegas de trabalho durante todo período em que lá estive trabalhando. Muitas pessoas me procuram dizendo que jamais deixarão de usar máscaras em público pois finalmente podem sentir-se confortáveis com sua aparência, encontraram uma maneira de esconder aquilo que não reconhecem como belo ou aceitável. “Seja você mesmo que seja estranho, bizarro, bizarro.”² escrevi nessa mesma coluna sobre aparência, e continuo afirmando sobre cada um amar aquilo que é próprio sem a busca de uma aprovação social, e que nenhum padrão é capaz de abafar nossa beleza individual. 

Além do fator estético, o uso da máscara carrega um simbolismo importante, uma vez que também da conta de esconder nossas reações, como foi difícil realizar sessões presenciais em tempo de máscaras, como avaliar as reações de meus pacientes? Somente o olhar não era capaz de ser avaliado da mesma maneira que com sua expressão completa. E assim pude pensar, quantos de nós vivemos de máscara em nossas relações diárias? As redes sociais são o expoente das máscaras, afinal: “quem vê foto de perfil não vê coração”, mantemos as máscaras para manter status, mantemos as máscaras para manter relacionamentos, mantemos as máscaras que nos afogam num mar de sensações dolorosas, fingimos estar fortes quando não precisamos estar, porque afinal de contas não somos fortes o tempo todo e tudo bem.  

Nelson Rodrigues³ certa vez escreveu: “Só o rosto é indecente. Do pescoço para baixo, podia-se andar nu”. Importante recado é dado, nosso rosto diz sobre nós, retira-se as máscaras, e lá estamos sorrindo amarelo ou de orelha a orelha (e por vezes existem sorrisos que são tão lindos quanto qualquer corpo nu), de bico fechados ou tagarelas que chegamos a babar no canto da boca, a mesma boca que fala sobre o que cheio está o coração, digo a você que por vezes o cair das máscaras se faz necessário, e sem dúvidas a liberdade em respirar sem as mesmas compensa todo sofrimento.

Encerro esse texto com a analogia da acerola colhida no caminho de volta para casa após um dia de trabalho. A acerola de fato não é uma fruta tão suculenta quanto um morango ou uma manga, muito menos refrescante como um abacaxi ou uma melancia. Mas a acerola tem uma peculiaridade, ela é uma explosão de sentidos em certos aspectos, o pensamento de liberdade em colher uma acerola no pé ao caminho de casa e a minuciosa escolha entre as mais vermelhinhas e mais rechonchudas, é ver um pé de acerola e a grande maioria de pessoas querem desfrutar de um breve momento de saúde natural. O fato de que nem sempre a acerola mais vermelha é a mais doce e que sempre a acerola nos surpreenderá, hora doce como mel e hora amarga que é impossível não fazer careta, comer acerola no pé é brincar de uma mini roleta russa com seu paladar. A vida também proporciona essa explosão, recolher as máscaras gera em nós a sensação de liberdade, investigar cada processo e sentir que existe a possibilidade de se envolver com aspectos antes não conhecidos. Porém como a acerola, nem tudo o que parece mais belo de fato é doce e aquilo que é mirrado e sem aspecto de beleza é o que favorece a doçura de viver. Afinal, não somos esse ‘docinho’ todo que nos fazemos ser vistos por aí e tudo bem mais uma vez. Sucesso a nós na retirada das máscaras.

¹Decreto nº 64959, de 04/05/2020.

²trecho da música “Máscara” da cantora Pitty, de 2003.

³Nelson Falcão Rodrigues (1912 – 1980), famoso escritor e cronista brasileiro.

 

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