A Esquerda perdeu a Classe Média?

Pedro Benedito Maciel Neto

A classe média parece sofrer da Síndrome de Estocolmo, ama os seus algozes. Apenas para lembrar: Síndrome de Estocolmo é o nome normalmente dado a um estado psicológico particular em que uma pessoa, submetida a um tempo prolongado de intimidação, passa a ter simpatia e até mesmo amor ou amizade perante o seu agressor.

A História está repleta de exemplos. Em 1954 a classe média “comprou” e apoiou a versão do “corvo” Carlos Lacerda e levou Getulio ao suicídio; em 1955 os dois quase golpes contra JK contaram com silêncio consensual da classe média; em 1964 foi escancarado o apoio da classe média à ruptura institucional, assim como em 1965 o adiamento das eleições presidenciais não sofreu criticas, nem ocorreram movimentos em prol das eleições; nem o AI-5, nem a Constituição autoritária de 1969 causaram indignação da classe media; as prisões arbitrárias, a tortura e as mortes de milhares de jovens pelos agentes da ditadura foram igualmente invisíveis aos olhos da classe média.

Fato é que a classe média, sempre na posição de serviçal do establishment, mantém-se fiel a quem ocupa o poder, é assim por uma razão pragmática: a manutenção de seus privilégios.

Foi assim na época da ditadura militar brasileira. Naquele tempo a classe média apoiou a tese do inimigo interno, o “comunismo” (entendendo-se por “comunismo” tudo o que colocasse em risco os interesses do capital norte americano, suas ambições geopolíticas e as associações com os grupos econômicos, rurais e urbanos, no Brasil), ou seja: uma ideia tão estúpida quanto o risco da venezuelização do Brasil hoje em dia.

O PT, Lula e o Lulismo chegaram ao fim do ciclo de existência política válida? Penso que não, mas é necessário aprender com a História.

O ciclo de Getulio Vargas chegou ao fim porque caiu enredou-se nos escândalos de corrupção envolvendo assessores e parentes, e porque não conseguiu manter a política de “agradar gregos e troianos” que garantiu a ele seus primeiros quinze anos no poder.

Será que podemos analisar esse momento de crise da esquerda, do PT e de Lula tendo em perspectiva esse fato que envolveu Getulio? Talvez, pois – se quisermos ser honestos na análise – Lula em seus dois primeiros anos manteve a ordem neoliberal de Collor e FHC, para somente a partir do terceiro ano dar inicio aos investimentos e às políticas sociais, ações que poderiam representado um salto do neoliberalismo para um reformismo progressista de viés social. Lula, como Getulio, optou por uma política exagerada de conciliações, tolerância e alianças com aqueles que tornaram-se seus algozes.

Num Brasil de “cobertor curto”, a política de estender direitos sem tocar em privilégios tem limites, Getulio pagou caro e a esquerda paga sua conta hoje.

Nem Getulio, nem Lula tiveram coragem de enfrentar privilégios. Tinham o dever de fazê-lo.

A verdade é que em 12 anos o governo de coalizão liderado pelo PT fez muita coisa boa, algumas excepcionais, mas não promoveu nenhuma reforma estrutural necessária; nem agrária, nem tributária, nem política.

Não me parece ético, justo ou legal um juiz ou desembargador receber 4,3 mil reais mensais de auxílio-moradia, num pais em que a renda media é renda inferior a 1,3 mil reais mensais.

Por que não fez? Lula chegou a ter mais de 80% de aprovação e folgada maioria no congresso nacional.

Se tivesse promovido a reforma agrária, por exemplo, de modo a tornar o Brasil menos dependente da exportação de commodities e favorecido mais o mercado interno dependeria menos dos corruptores e dos corruptos.

Se ousasse fazer a reforma tributária recomendada por juristas, economistas desenvolvimentistas, priorizando a produção e o consumo, ao invés da especulação, teria assegurado a governabilidade prioritariamente pelo apoio dos movimentos sociais e os setores produtivos éticos.

Assim teria sido possível – desde o primeiro dia – dissipar as estruturas de corrupção postas desde antes de sua chegada ao poder.

O fato é que o PT “perdeu a mão” e perdendo-se se tornou um partido igual aos demais, tudo em nome da governabilidade. E a consequência foi depender, para a manutenção da tal governabilidade, dos setores não éticos do mercado e da parcela venal de congressistas.

Ao PT, a meu juízo, resta abandonar seu corrosivo hegemonismo e ouvir um pouco mais Walter Pomar.

E à esquerda como um todo, cabe buscar compreender as novas formas de comunicação, linguagem e interação social, para uso ético (em contraposição à direita e a extrema-direita, que já fazem uso não ético dessas novas formas de interação).

Somente a linguagem adequada e o uso correto das redes sociais possibilitará uma interação tal que possibilite um novo realinhamento e traga mais setores, Inclusive a classe média, para a trincheira de defesa das liberdades e da democracia, com justiça social.

Pedro Benedito Maciel Neto, 54, advogado, sócio da MACIEL NETO ADVOCACIA – pedromaciel@macielneto.adv.br

 

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