Comparando o Incomparável
Sabe aquelas comparações que nossos pais, ou nós mesmos já fizemos com nossos filhos, sem pensar, quase que como um hábito? Por exemplo quando dissemos: “por que você não é como seu irmão, tão bonzinho e estudioso”, “sua irmã está sempre tão elegante e você não emagrece nunca” ou então “suas amigas se comportam bem, por que você não é como elas”? Comparações depreciativas são registros inseridos na mente que, mesmo sem intenção, podem causar grandes feridas emocionais.
Quando vamos a uma loja costumamos comparar, seja roupa, alimento, ou qualquer outra coisa. No mercado temos até a possibilidade de testar uma lâmpada e decidir qual atende melhor a nossa necessidade, não é? Mas a questão é que não somos coisas, somos gente. E cada um vem com sua própria “lista de ingredientes”, incomparável com qualquer outra. É exatamente essa diversidade que nos faz únicos e tão interessantes. Porém, quando o outro não se encaixa no que NÓS precisamos ou consideramos adequado, passamos a comparar. Você percebe que a comparação tem muito mais a ver com a NOSSA necessidade? A gente quer adequar as pessoas para que sejam da maneira que NOS convém. Logo essa expectativa não é da outra pessoa. Mas, a partir do momento em que as comparações se tornam contínuas e sistemáticas, inserimos também na mente dela essa expectativa e a necessidade de mudar, de se igualar. Lógico que essa conta não vai fechar nunca porque, nesse mesmo embrulho vem junto, de presente, uma frustração infinita. A comparação traz uma mensagem de desmerecimento, de humilhação, nos faz sentir inferior ou menos qualificado. Ninguém consegue se igualar a outra pessoa. Até mesmo irmãos gêmeos têm personalidades distintas. Sem falar que ao longo do tempo temos experiências vividas, sentidas de formas diferentes. Duas pessoas, mesmo criadas juntas, podem passar por uma mesma situação, mas a maneira de absorvê-la será completamente diferente.
Não é à toa que, desde a gestação, acontece um fenômeno que chamamos de mielinização. Conforme o corpo e a mente do bebê vão se desenvolvendo, inicia-se uma série de transmissões neurais e sinalizações químicas, considerando a bagagem genética de cada um e os acontecimentos externos. As influências que temos, o que ouvimos, vemos e sentimos, desde a fase intrauterina até os primeiros anos de vida, determinam até mesmo as nossas características físicas, nosso modo de agir e de pensar, reforçam nossos medos, anseios, nossas tendências e preferências que levamos para o resto da vida. Portanto, comparar o incomparável, é uma grande cilada.
É importante observarmos se estamos fazendo isso com as nossas crianças. É dever dos pais ou responsáveis educar, orientar, ficar atento a tudo que é dito, aos exemplos que são dados e acima de tudo respeitar o jeito de ser de cada indivíduo.
A comparação pode ser cruel também na fase adulta, quando ela não parte do outro e sim de nós. Se você tem se comparado frequentemente, se depreciando, de duas uma: ou você está vivendo uma crise de identidade e de baixa autoestima ou você precisa olhar mais de perto a vida dessa pessoa com quem você tem se comparado (porque, como diz o ditado: o jardim do vizinho pode até ser mais verde que o seu, mas pode estar cheio de ervas daninhas).
Para piorar, as redes sociais têm colaborado para elevar mais as frustrações. Nelas a comparação é ainda mais injusta porque ninguém é tão bonito quanto aparenta ser no Instagram nem tem tantos amigos quantos aparecem no Facebook, nem tão eloquente quanto faz parecer no Twitter e nenhum ser humano na Terra tem tanto sucesso profissional quanto “vende” no LinkedIn.
Vale então uma reflexão mais amorosa com você mesmo. Observe sua história, seus sentimentos e não deixe de buscar ajuda profissional. Na terapia, você pode entender o que parece ser tão importante e melhor numa vida que não é sua. Provavelmente você vai encontrar na memória aqueles registros que eu comentei, que geram crença de desmerecimento ou de inferioridade.
Esses sentimentos, se não tratados, podem desencadear um comportamento submisso e de insegurança.
Certa vez atendi uma cliente que arrastava, por cinquenta anos, uma frustração acreditando que nada que fizesse seria bom o suficiente. Uma mulher bonita e inteligente, mas insatisfeita com os trabalhos que desempenhava, com os relacionamentos, com sua aparência, com tudo. Ela ia empurrando a vida com a barriga e passou a reagir a qualquer crítica ou observação de alguém, de forma agressiva e não entendia de onde vinha tanta raiva, que prejudicava ainda mais suas relações. Em terapia, acessamos muitos registros em que os pais a comparavam com uma irmã e que a faziam se sentir incompetente e diminuída.
Então ela reprocessou esses momentos e entendeu que os “ataques” de fúria eram uma autodefesa, uma maneira de tentar esconder, além da tristeza, uma sensação imensa de fragilidade. Entender isso foi uma libertação na vida dela! Se algo nessa história fez sentido pra você que tal começar a olhar para suas emoções? Reconheça-se como um ser singular, dono da sua própria história, com virtudes e defeitos, talentos e limitações, mas acima de tudo, um ser único e incomparável com qualquer outra pessoa.