Escutando Silêncios – O que dizer e o que não dizer a uma pessoa enlutada

Olá pessoal, hoje darei algumas dicas a vocês a respeito de um tema muito polêmico, e muito útil socialmente, que é sobre o que dizer e o que não dizer a uma pessoa enlutada.

Para elaborar este artigo, eu me embasei em duas vertentes:

Uma delas é à luz da Psicologia em si, das teorias, dos livros e autores que venho estudando a respeito do tema do Luto.

A outra vertente em que me embasei  foram os relatos das próprias pessoas que vivenciaram ou estão vivenciando algum tipo de luto, que me responderam uma enquete . Aproveito para agradecer pela contribuição de todos que me responderam, todas as respostas foram muito profundas e muito úteis para mim, e estão em sua maioria descritas neste artigo.

O interessante é que estas duas vertentes se complementam, e nos ensinam a mesma coisa. Um fato que achei incrível nesta minha enquete, é que as pessoas foram unânimes em suas respostas, sobre o que ajuda neste momento.

Começarei por dizer as atitudes e frases que não são adequadas para se ter/dizer em um momento de luto, por invalidarem a dor da família.

No momento em que as pessoas vão dar as condolências para uma família que acabou de perder seu ente querido, são comuns dizerem frases como “meus sentimentos”, “meus pêsames”. Isso é cultural e através destas frases, a pessoa tenta expressar respeito à família. Porém, existem outras frases que as pessoas dizem em rituais de velório, sepultamento, ou mesmo em visitas aos familiares enlutados, que são frases clichês, frases prontas, em que a pessoa se vê de certa forma angustiada por não saber o que dizer ao enlutado neste momento e acaba por dizer estas frases, que ao invés de ajudarem , acaba provocando sentimentos de indignação, raiva, revolta no enlutado,aumentando sua dor.

É muito importante ressaltar que este é um momento muito delicado, tanto para a pessoa enlutada, quanto para a pessoa que está ao seu lado para ajudá-la,  pois a pessoa que está de luto está muito sensível, confusa, desesperada, e tudo o que as pessoas falarem ou fizerem, ficará para sempre registrado em sua memória, e, mais do que isso, em seus sentimentos.

Não há dúvidas de que as pessoas que se solidarizam com ela estão com boa vontade em ajudar, querem consolar, querem agradar, mas nem sempre conseguem, por não serem assertivos naquilo que dizem. Às vezes, a necessidade de tentar dizer algo pode ser mais constrangedora do que o próprio silêncio. E é justamente sobre isso que darei dicas neste artigo.

Por exemplo, uma atitude que que é desagradável para a família, é o fato de que no ritual do velório, muitos parentes e familiares se encontram, que não se viam há muito tempo, e então começam a conversar paralelamente, colocam os assuntos em dia, contam casos, e até mesmo dão risada, e isto é uma atitude extremamente desagradável e desrespeitosa tanto para com a família, quanto com a pessoa que faleceu. Este tipo de comportamento pode demonstrar à família que a pessoa não está se importando realmente com a perda.

Outro fato que é bastante desagradável que muitos relataram é quando as pessoas que não são próximas à família ficam tocando no falecido, por vezes tirando o véu, ou mexendo na mão da pessoa. Ou também fazem comentários a respeito da aparência da pessoa ali no caixão, como por exemplo: “Nossa, ele está inchado”, ou “Nossa, o que é aquela marca roxa na boca dele?” ou mesmo quando tentam saber detalhes sobre como a morte ocorreu, como foi exatamente, como foram os últimos momentos da pessoa, perguntando para a família, muitas vezes para satisfazer a própria curiosidade. Com este tipo de atitude, a pessoa acaba por demonstrar que em muitos momentos está pensando mais em si mesmo, em satisfazer sua curiosidade, do que na dor da família. Portanto, tome cuidado com as perguntas e comentários neste momento.

A respeito das frases desagradáveis que as pessoas dizem à família, são muitas, e procurei classificar por situações, como por exemplo:

No caso de a pessoa falecida ser já de idade ou ter passado por um longo período de doença: “Foi melhor para ela, Deus é bom”, “Tinha que ser assim, já estava bem velhinho mesmo”, “Descansou, estava sofrendo muito”  “Não chore, deu o tempo dele aqui”, “Isso acontece, a gente fica velho e morre” , “Todos vamos morrer um dia”… Este tipo de frase pode demonstrar indiferença para com a família da pessoa, por ela ser de idade, como se o fator da idade de certa forma fosse indicador de dor em menor grau, pelo simples fato da proximidade da morte.

No caso quando um casal perde um filho: “Pelo menos vocês tem outros filhos”, ou “Vocês são novos, podem ter quantos filhos quiserem” ou “Deus precisava dele ao seu lado”… Estas frases acabam por invalidar a dor do casal, e provocam sentimentos de raiva nos mesmos, pois pode implicar no entendimento de que este filho seria facilmente substituído por outro, ou então que o fato de terem outros filhos tornasse a dor da perda menor para o casal.

De um modo geral, em diversas circunstâncias de perdas por morte, são comuns as pessoas dizerem estas frases abaixo, das quais tenho certeza de que você já ouviu muitas:

“Está doendo, mas saiba que com o tempo esta dor vai passar e no final fica uma dor gostosa.”

“Isso é normal, leva tempo, mas vai passar.”

“Essa é a única certeza que temos, a morte.”

“Deus sabe o que faz.”

“Deus não dá a cruz maior do que podemos carregar.”

“Para morrer, basta estar vivo.”

“Mais um que se foi…”

“Agora ele está em um lugar melhor.”

“Você tem que ser forte, ele não iria gostar de te ver assim.”

“Não chore, deixe a alma dele descansar em paz.”

“Bola pra frente, a vida continua.”

Estes tipos de frases são muito comuns em nossa sociedade, as pessoas tentam de alguma forma consolar o enlutado, porém, caem na armadilha de acabar invalidando a dor da família, ou mesmo desautorizando que ela sinta a intensidade da dor deste momento. Como se a dor pudesse ser reduzida em palavras. Ou como se não fosse autorizado chorar e sofrer.

Após o ritual do sepultamento, são comuns visitas à família enlutada, e neste momento, a pessoa que vai fazer a visita no intuito de ajudar, acaba não sabendo como lidar com a dor, ou com a tristeza da família, e por vezes acaba por dizer coisas que são desagradáveis ou demonstram falta de empatia, como por exemplo:

“Vocês já sabem o que vão fazer com os pertences dele?” , “Se vocês forem doar ou vender alguma coisa, eu me interesso, ou sei de alguém que se interessa” ou então “E agora, o que vocês vão fazer com a casa?”.

Esse tipo de comentário pode demonstrar que a pessoa está perguntando por curiosidade, e isso é muito constrangedor para a família, pois, além de terem que lidar com a dor da perda, com o vazio devido à falta do seu ente querido, este tipo de decisão pertence apenas à família, e no tempo em que conseguirem falar e lidar com esta situação.

Também é muito comum a visita perguntar alguma coisa à família, e quando a mesma começa a responder, a visita o interrompe, dizendo: “Ah, eu sei exatamente o que você está sentindo, porque comigo também foi assim. Só que no meu caso foi pior, pois quando eu perdi meu pai, lá no ano de …. blá blá blá e começa a falar de si mesmo, da sua própria história. E então acaba por sair do foco, que deveria ser prestar solidariedade à família, e estar ali para ela no que precisar. Isso sem contar que nesse momento, a família está muito desgastada emocionalmente, e  não tem cabeça para ouvir outras histórias de perda.

Um dos comentários mais desumanos que já ouvi foi uma pessoa dizer a uma enlutada logo após o momento em que esta retornou ao trabalho: “Eu não sei o que você está passando e nem quero saber, ainda bem que isso não aconteceu comigo e não quero que aconteça tão cedo”. Percebem a falta de empatia, de humanidade, de se colocar no lugar do outro?

É importante destacar mais uma vez que as pessoas que falam este tipo de frases clichês não fazem por maldade, na verdade elas também estão angustiadas querendo ajudar, porém o desconhecimento de como lidar com este momento, faz com que elas falem estas frases, no intuito de tentar preencher esta angústia, este vazio, este momento com palavras, sendo que elas não são eficazes.

E então, como ser assertivo neste momento?

A resposta pode parecer mais simples do que você imagina, porém nem um pouco fácil. E todos os que me responderam a enquete, foram unânimes com relação a isto. A questão é que palavra nenhuma consegue trazer um consolo, um conforto, não conseguem abranger e dar conta da dor de quem acabou de perder alguém que ama naquele momento.

Portanto, atitudes ao invés de palavras são muito válidas, como um abraço sincero, um olhar acolhedor, a presença da pessoa ao lado da família neste momento, demonstrações de empatia, de respeito, de verdade, de compreensão e carinho fazem toda a diferença. A família nunca esquecerá quem esteve do lado, quem se fez presente,  como também não esquecerá quem se foi, deixou de estar, ou desapareceu de suas vidas no momento mais doloroso.

Precisamos apenas estar com a pessoa naquele momento, sem a nossa necessidade humana de sempre falar de nós mesmos, e de sempre tentar preencher os vazios, os silêncios.

Se fosse para dizer uma frase, uma adequada poderia ser “Fulano, em quê eu posso te ajudar neste momento?” ou então uma que seria sensata e sincera: “Fulano, eu nem sei o que te dizer”. Simples assim. Mas, muito mais que isso. Precisamos estar inteiros diante do outro. Escutar o que ele tem para falar, se ele quiser falar. Escutar não apenas com os ouvidos, mas com o olhar, escutar com o corpo, com a alma, ou seja, estarmos verdadeiramente interessados em ouvir sua dor, ou seu silêncio, estando ao seu lado. Se pelo menos neste momento, conseguirmos deixar nosso Eu, nosso Ego de lado, e nos doarmos inteiramente ao outro, seria a atitude mais nobre que conseguiríamos ter para com aquele que queremos ajudar.

O mundo está carente de pessoas que saibam se debruçar diante do outro para ouvir o que ele tem para dizer, ou simplesmente para ouvir seu silêncio.

_“Simplesmente”, disse eu?  Mas como é difícil…

Grace Benato é Psicóloga, atua na cidade de Jaguariúna e atualmente desenvolve projetos gratuitos para ajudar pessoas enlutadas. Participe, envie um email para gracebbenato@gmail.com

 

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