Maior felino das Américas é considerado raro e ameaçado nesse domínio natural
Estimativa é que existam menos de 300 indivíduos nesse bioma
Qual é a chance de caminhar por trilhas na Mata Atlântica e se deparar com o grande predador das nossas florestas, a onça-pintada? Atualmente o encontro com o maior felino das Américas é considerado extremamente raro, e quase impossível de ocorrer nesse domínio natural, isso porque a espécie está ameaçada de extinção.
A ocorrência do felino nesse ambiente está restrita às áreas protegidas e preservadas, como por exemplo a região do Mosaico de Paranapiacaba, que é formado pelos Parques Estaduais Carlos Botelho, Intervales, Nascentes do Paranapanema e Petar, bem como Estação Ecológica de Xitué e APA da Serra do Mar. Esse é um território considerado um mais importantes para esse felino nesse bioma. Não à toa é denominado como o “coração” para as onças-pintadas, onde existe a maior população desse corredor.
Armadilhas fotográficas registram os felinos que resistem na Mata Atlântica — Foto: ICMBio – Fundação Florestal – Projeto Onças-Pintadas
Há pelo menos 15 anos, a bióloga Beatriz Beisiegel dedica-se a estudar as onças-pintadas nessa área onde elas ainda resistem. E há dois anos a pesquisadora percorre esse território para refazer um estudo sobre a estimativa populacional desse felino na Mata Atlântica, e o resultado obtido até então é preocupante.
“Estamos atualizando a estimativa populacional que a gente fez entre 2009 e 2011, e por enquanto é menos da metade do que tinha há uma década atrás, é uma densidade muito baixa, muito pouco bicho”, pontua.
Felinos são reconhecidos por pesquisadores pelas rosetas — Foto: ICMBio – Fundação Florestal – Projeto Onças-Pintadas
Se for levado em consideração os fragmentos usados pelo felino o tamanho da área utilizada corresponderia a cerca de 7.400 quilômetros quadrados, o que equivale ao tamanho do Contínuo de Paranapiacaba. E de acordo com os modelos aplicados para se estimar a população, nessa área deveriam existir 11 onças-pintadas, porém até agora sete indivíduos foram identificados pelos pesquisadores durante essa amostragem.
O que levou a onça-pintada ser considerada ameaçada de extinção na Mata Atlântica, foram uma série de fatores históricos, como por exemplo o impacto que a floresta sofreu com a chegada dos europeus. “Se hoje a gente tem de 7 a 11% do bioma remanescente de acordo com diversas estimativas, em apenas uma pequena parte desses remanescentes ainda tem onça-pintada. Mas esses 7% estão distribuídos principalmente em pequenos fragmentos e a onça-pintada não usa pequenos fragmentos, ela precisa de grandes áreas bem conservadas para sobreviver, e essas grandes áreas bem conservadas, na Mata Atlântica não existem mais praticamente”, acrescenta Beisiegel.
Onça-pintada com filhotes já foi flagrada na Mata Atlântica em 2016 — Foto: ICMBio – Fundação Florestal – Projeto Onças-Pintadas
Além disso, o felino já foi muito caçado no passado. De acordo com a pesquisadora, houve um período em que as onças eram mortas, pois, por fator cultural isso simbolizava uma prova de coragem, virilidade. Há também casos de morte de onças por retaliação, situação em que o felino preda um bovino, ou animal de criação e o proprietário se vinga da ação matando o predador.
O terceiro fator e que foi considerado um dos principais para o declínio desse felino refere-se a mortandade da onça para comercializar a pele do animal. “Até o começo da década de 70, antes da lei da fauna saiam contabilizadas 10 mil peles de onça por ano no Brasil. Por mais que isso seja um processo histórico, já antigo, a gente já eliminou essas populações, e ainda tem registros de extinções históricas, então por exemplo na Rebio do Tinguá, no Rio de Janeiro, o último registro da onça-pintada e se eu não me engano é uma pele da década de 90, então ainda tem uma extinção local da onça-pintada acontecendo agora.”, explica.
Com equipamento instalado na floresta pesquisadores estudam o grande predador — Foto: ICMBio – Fundação Florestal – Projeto Onças-Pintadas
Mas afinal, qual a importância da onça-pintada para a floresta, e o que a ausência desse felino na mata pode significar? Beisiegel aponta que a extinção da onça-pintada em uma área de ocorrência dela impacta em todo o ambiente. “Ela é um predador de topo que tem uma diversidade funcional já prejudicada, sem a onça a floresta tem uma vida contada a longo prazo. A onça simboliza força, coragem, poder, sem ela a floresta não só não tem o predador de topo, como ela não tem alma, é uma floresta sem alma”, afirma.
A situação crítica desse felino na Mata Atlântica serve de alerta para que ações possam ser feitas para preservar a existência dela, e assim tentar reverter o cenário lamentável de ameaça.
Onça-pintada no Mosaico de Paranapiacaba tem atividade diurna e noturna — Foto: ICMBio – Fundação Florestal – Projeto Onças-Pintadas
“As unidades de conservação que são os principais lugares onde as onças sobrevivem tem que ser realmente conservados, protegidos, bem financiadas, elas tem que ter todo um aparato necessário para que as onças sejam realmente conservadas”, comenta Beatriz.
Além disso, um trabalho necessário e urgente é a conscientização da sociedade perante ao papel e importância desse felino. “Precisamos fazer com que as pessoas se apaixonem pelas onças, e a gente tem um projeto agora que é um projeto para fazer com que cada um desses pouquíssimos bichos que restam sejam como membro da família para as pessoas”.
Estudo identificou sete onças-pintadas (Panthera onca) diferentes no PE Morro do Diabo — Foto: Fundação Florestal
A terceira ação que deve ser feita para amenizar o risco ao grande predador é financiar o fim do conflito que ainda existe entre homem e felino. São tarefas difíceis e desafiadoras, mas que não tiram a esperança de quem dedica à vida a estudar e ajudar a rainha das nossas matas.
“Meu sonho é ver a população aumentar, saber que o bicho tá sendo valorizado e não perseguido. As pessoas precisam reconhecer que nós somos o perigo para onça e não a onça o perigo pra gente. E na hora que a gente tiver um amplo reconhecimento disso, uma parte do problema já está solucionado”, finaliza a bióloga.