O quarto da raiva
Sou datado. Nasci em 1945. Fruto do final da II Grande Guerra Mundial. Procuro estar antenado com tudo o que acontece. Sou adepto da imersão digital. Quero participar de tudo aquilo que a inteligência humana oferece para facilitar – ou tornar mais complexa? – a vida sobre o planeta. Mas confesso estranhar muitas coisas que acontecem hoje. Por exemplo: a experiência do “quarto da raiva” disponível em um bar paulistano. É a possibilidade de reduzir a destroços aparelhos de TV, impressoras e garrafas com golpes de marreta ou pé de cabra. A sessão dura 15 minutos. Mas em menos de dez, os frequentadores já destruíram tudo e procuram pedaços maiores para reduzi-los a pequenos fragmentos. Quem é que frequenta o “quarto da raiva”? Pessoas que precisam extravasar estresse. É claro que ainda é muito melhor quebrar algo que está ali para ser quebrado do que fazer isso em algum lugar despreparado.
A ideia nasceu de um sonho que um dos proprietários teve. Sonhou que estava destruindo um videogame. Foi procurar o significado na internet e descobriu que na Argentina já existia um lugar assim. Utilizam-se garrafas do próprio bar, os objetos são garimpados na internet, na vizinhança e nas ruas. Para a proprietária, há uma preocupação ambiental. Tudo o que é destruído é encaminhado à reciclagem.
Os frequentadores escolhem os kits a serem destruídos. Usam óculos de proteção e capacete, uma capa grossa, luvas e sapatos emborrachados. Tudo para evitar ferimentos com os cacos de vidro ou lascas afiadas de plástico.
Quem está de fora não ouve ruído, pois há isolamento acústico da sala. Aos curiosos é facultada uma janela de observação. Para o empresário que teve o sonho e a ideia, a iniciativa é útil. Frequentadores confirmam: “Geralmente a gente vive tentando consertar tudo e, aqui, é o contrário. Temos um problema a menos. Quando você começa, até fica tenso, mas muda. Se tivesse mais coisas para quebrar, eu certamente continuaria. É muito bom”.
Cada qual enfrenta seu estresse de uma forma. É preferível quebrar protegido, embora pagando, do que quebrar vitrines, orelhões, escolas e outros equipamentos alheios. O exercício é considerado “diversão”, na reportagem de Paula Felix para o Estadão, sob título “A ‘fúria Gourmet’ do quarto da raiva”, da qual extraí estes dados.
José Renato Nalini, secretário da Educação do Estado de São Paulo