Poupança e imóveis: verdades de uma relação abalada
Poupança e imóveis são os dois principais pilares patrimoniais dos brasileiros e, embora nem todos saibam, há uma relação muito estreita entre ambos. Dada a importância dos dois e considerando que esta relação entre eles não anda muito bem, é importante entendermos o que vem ocorrendo para ser possível, se for o caso, ajustar nossa conduta para o cenário projetado.
A poupança é a principal fonte de recursos (funding) de que dispõem as instituições financeiras para o crédito imobiliário no Brasil. Atualmente 65% de todo o recurso depositado na poupança é destinado, por regra, ao crédito imobiliário. Neste sentido, o crescimento do setor imobiliário depende em boa medida de que o saldo líquido da poupança seja crescente ou, no mínimo, estável, o que não vem acontecendo nos últimos meses, pelo contrário.
Entre janeiro e maio houve um decréscimo de R$ 32,26 bilhões no saldo líquido da poupança, o que pode ser explicado basicamente por dois fatores: i) piora da atratividade da poupança; e ii) baixo crescimento econômico. Sobre o primeiro ponto devemos considerar que a inflação acumulada em doze meses está acima de 8,0% e que a rentabilidade da poupança fica em média abaixo de 7% ao ano, manter recursos aplicados na poupança é o mesmo que perder poder de compra. Ademais, há outras alternativas mais rentáveis que a poupança e tão conservadoras quanto. Já o baixo crescimento econômico explica estas subtrações na poupança pois com o aumento do desemprego muitas famílias brasileiras utilizam as suas reservas para as despesas ordinárias e não consegue repor este estoque de poupança. Devemos ainda considerar que as projeções não apontam a inflação cedendo consideravelmente no curto prazo e que há uma tendência de retração de cerca de 3% na renda per capta no Brasil para este ano, o que em outras palavras significa dizer que os resgates da poupança não devem parar de acontecer nos próximos meses.
Assim, fica evidente a relação que pretendíamos demonstrar: menos funding para o crédito imobiliário equivale a menos pessoas capazes de comprar seu imóvel; menos demanda equivale a aumento do estoque de imóveis, o que leva a uma pressão para redução de seus preços.
As alternativas para contornar este cenário preocupante seriam aumentar a rentabilidade da poupança, recuperando-lhe a atratividade, ou encontrar fontes alternativas para que o crédito ao setor não reduza. Fato é que, nenhuma destas alternativas darão uma solução duradoura para a questão, vejamos:
- a) A rentabilidade da poupança atualmente é de 0,5% ao mês + TR (taxa referencial), de modo que um aumento na taxa referencial poderia tornar a poupança atrativa novamente, correto? Sim, contudo não podemos nos esquecer de que a maioria dos contratos de crédito imobiliário tem seu saldo devedor corrigido pela TR, ou seja, um aumento na TR faria também aumentar o valor da parcela do financiamento imobiliário. Imagine então que a parcela do financiamento aumentaria ao passo que o imóvel estaria se desvalorizando. Neste sentido, qualquer aumento na TR traria impactos desastrosos.
- b) Poderíamos pensar que as Letras de Crédito Imobiliário (LCI) seriam uma alternativa de funding, mas a considerar suas regras de emissão, a esperança de que a LCI poderia “substituir” a poupança não é muito plausível pois fatalmente faria o custo do financiamento aumentar. Ademais, foi anunciado pelo Ministro da Fazenda que as LCIs passarão a ter incidência de Imposto de Renda (IR), o que faria cair a atratividade deste papel.
Em caráter emergencial e entendendo a profundidade do problema, no fim de maio o governo anunciou uma alteração na regra do recolhimento dos depósitos compulsórios da poupança, que é um percentual dos depósitos que obrigatoriamente os bancos tem que fazer junto ao Banco Central. Essa redução na exigência de depósitos compulsórios irá liberar R$ 22,5 bilhões para os bancos utilizarem no crédito habitacional. Esta ajuda ao setor é muito importante e ameniza a situação, mas não “repõe” o que já foi sacado até maio, e os saques continuam, de modo que esta medida paliativa adiou a fase mais aguda do problema em alguns meses.
Um outro termômetro importante e que revela a gravidade da situação, são os lançamentos de novos empreendimentos imobiliários, que caíram drasticamente nos últimos meses. Das treze principais incorporadoras brasileiras, seis não lançaram nenhum empreendimento novo no primeiro trimestre deste ano, o que equivale a dizer que seis dos maiores players do mercado imobiliário brasileiro não se sentem confiantes para lançar um novo empreendimento. Sem lançamentos o sustenta estas empresas são os estoques e, se o estoque não justifica novos lançamentos, é preciso se desfazer do estoque, contudo não a demanda se retraiu, o que explica algumas promoções e feirões de imóveis.
A perspectiva conjuntural numa visão de médio prazo não se alterou: a poupança não é, e tende a continuar não sendo uma boa alternativa para quem quer aplicar seus recursos e, considerando as projeções aqui apresentadas, há que se mensurar os riscos envolvidos em se descapitalizar para adquirir um imóvel neste contexto, seja pelo fato de ser possível rentabilizar melhor este recurso de forma segura, seja pelo fato de que os imóveis tendem a sofrer ainda mais pressão nos preços por conta da redução da demanda e pela manutenção de estoques.
Devemos acompanhar estes desdobramentos de perto e estarmos bem conscientes desta relação entre a poupança e os imóveis. Se por um lado o futuro próximo no setor imobiliário se revela incerto tanto para quem compra quanto para quem vende, por outro há a possibilidade de termos rendimentos consideráveis com aplicações financeiras que combinam segurança e liquidez, que são fatores que devem ser valorizados neste cenário.
Roberto Rodrigues é economista, consultor de Valores Mobiliários credenciado pela CVM, professor Universitário e Assessor de Investimentos da Sicredi Força dos Ventos SP