Decreto não tem força para revogar lei
Gilberto Pinheiro
Polêmica desnecessária foi criada nos últimos dias, em relação à fala do presidente Bolsonaro, principalmente, no que diz respeito à suposta liberação da caça em território nacional. Ele deixou claro que não irá liberar esta crueldade contra os animais. Mas, o assunto foi explorado equivocadamente por parte de alguns segmentos da sociedade brasileira, uma imperícia e falta de informação, confundindo milhões de brasileiros, gerando discussões acaloradas e inócuas. A caça é proibida em território nacional e explico abaixo. não é função do Executivo liberar ou proibir caça através de decreto. É atribuição do Legislativo e isso precisa ficar bem claro, ciente que um decreto não tem poder discricionário para revogar qualquer lei existente em nosso país.
PROBLEMÁTICA E A RAZÃO DA POLÊMICA – javalis introduzidos no Brasil no século XX
SOLUÇÃO PARA O IMPASSE: criação de santuários, esterilizando-os, deixando-os viver livremente nesses locais.
A questão principal envolve os javalis que não pertencem à fauna brasileira, tendo sido introduzidos no Brasil no século XX para comercialização de sua carne. Todavia, a sociedade daquela época rejeitou-a, ou seja, não aprovou o sabor e os animais foram abandonados nas fazendas, reproduzindo-se em larga escala, destruindo plantações e agredindo animais domésticos e domesticáveis, alimentando-se dessa forma. Com isso, produtores rurais, em 2013, residentes no sul do país, solicitaram ao IBAMA permissão para caçá-los. Esse órgão fiscalizador baixou uma Instrução Normativa, liberando a caça, para pôr fim à destruição. Lembro que tal atividade foi oficializada em 2013, em pleno governo petista.
Não podemos culpar o presidente Bolsonaro por isso. Esses animais estão presentes no Pantanal, noroeste do Estado de São Paulo e procriam-se em larga escala. Particularmente, como defensor dos animais que sou, sugiro a criação de santuários no sul e centro-oeste do país, esterilizando esses animais, deixando-os viver livremente nesses locais, distantes da perseguição e crueldade humanas. Eles são oriundos de parte da África e Europa e, no Brasil, não possuem predadores, no caso específico, os lobos cinzentos que não pertencem a nossa fauna.
ADOLFO VARNHAGEN – introduziu a caça no Brasil na época do Império, chegando aos dias de hoje
Para dar mais subsídios informativos, quem introduziu a caça no Brasil foi Adolfo Varnhagen (1816-1860), um dos intelectuais mais respeitados da época em que publicara, seis anos antes, o primeiro volume da portentosa História Geral do Brasil. À luz dos fatos, vê-se que a caça, infelizmente, existe no Brasil desde a época da colonização e, posteriormente, monarquia, chegando aos dias de hoje. É uma cultura abominável que o ser humano do terceiro milênio não pode aceitar jamais.
DECRETO NÃO REVOGA LEI – somente o Legislativo tem poder para pôr fim a essa lei. Não é função do Executivo
Talvez a sociedade não saiba, mas, faz-se mister informar que um decreto presidencial não tem força para revogar qualquer lei. E, além do mais, a caça é proibida em todo território nacional, através da Lei Federal 5197/67, portanto, há 52 anos. Bem verdade que a citada lei é contextualizada numa ambiguidade, ou duplo sentido, tornando-se indispensável explicar para não gerar quaisquer dúvidas. Primeiramente, explicita que é proibida a caça em todo território nacional de animais silvestres, exóticos e outras espécies em extinção. A dubiedade está no fato de proibir tal prática a determinados animais e em forma de excepcionalidade, permitir, ao mesmo tempo, que caçadores amadores agrupem-se em agremiações, clubes, associaç&o tilde;es para a prática do tiro ao alvo, abatendo animais, principalmente, aves que não estão inseridas no contexto. É uma barbárie, sem dúvida, pois ninguém tem o direito de tirar qualquer vida animal. Existe também a caça para fins científicos, uma excludência em relação à vida e direito dos animais. Hoje em dia, certamente, essa lei jamais seria aprovada, em virtude da consciência popular, mesmo ainda incipiente, mas, com ênfase nas redes sociais.
Com o processo de conscientização e a construção de ideais na defesa da fauna, seguramente, a citada lei, como citei acima, não seria aprovada, haja vista que há representação parlamentar no próprio Congresso Nacional em defesa da fauna, além dos ativistas e defensores dos animais em amplo espectro que, certamente, iriam repudiar qualquer ideia destrutiva, pondo em risco a vida dos animais. A caça é atividade abominável e repulsiva que o ser humano do terceiro milênio não pode aceitar de forma alguma. Com a descoberta da senciência dos animais nada mais justifica este horror, característica de seres humanos insensíveis e de índole primitiva. Precisamos evoluir como um todo, respeitar o próximo e o próximo também são os animais em sua inequívoca totali dade. Reitero que um decreto não tem força para revogar qualquer lei em nosso país.
PESCA SUBAQUÁTICA OU ESPORTIVA – crueldade contra animais marinhos, proibida no Brasil, existindo na ilegalidade
Eis outra questão abordada e que também gerou polêmica. Essa atividade, infelizmente, existe há centenas de anos, permitam-me assim me expressar, forma de divertimento cruel e inferior, expondo os animais marinhos à dor e intenso sofrimento. No momento, o que há é um projeto de lei de número 4212/2018 que disciplina essa atividade, no litoral do Estado do Rio de Janeiro, praticada por meio de mergulho livre ou apneia. O presidente Jair Bolsonaro pretende criar uma estação ecológica para a pesca subaquática em Angra dos Reis. Contudo, acredito que consultará juristas, ciente que para liberar a caça ou pesca subaquática será preciso revogar o Decreto 98864/90 com outro Decreto. Particularmente, sou contrário, mesmo sendo eleitor de Bolsonaro. Não posso concordar com qualquer tipo de crueldade aos animais. Vejam o exemplo que do arquipélago de Fernando de Noronha, onde tal atividade é proibida, devendo o infrator pagar multa pesada. Acredito que prevalecerá o bom sendo do presidente, evitando, assim, este tipo primitivo de perseguição e maldade contra a fauna marinha A pesca subaquática existe, infelizmente, mas, é ilegal e somente educando reverteremos este contexto, o que eu já afirmara em artigos anteriores. A evolução humana exige muito e precisamos insistir, para construirmos um mundo melhor, mais justo e mais harmonioso, protegendo a fauna e a flora.
Gilberto Pinheiro, jornalista, palestrante em escolas, universidades, consultor da Comissão de Proteção e Defesa dos Animais da OAB – Ordem dos Advogados do Brasil/RJ, ex-articulista da AMAERJ, Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro, destacando a senciência e os direitos dos animais.