Existe uma Ética Profissional?
Tenho reafirmado, em vários ambientes e espaços, que a ética é a matéria prima de que o Brasil mais se ressente. Ela falta em todos os setores. Notadamente naqueles que atuam a representar o interesse de todos. Os administradores públicos. A falência da política partidária começou com o fracasso ético dos políticos profissionais.
Hoje recorro a Gustavo Corção, em seu livro “As Fronteiras da Técnica”, para uma reflexão a respeito daquilo que se convencionou chamar de “ética profissional”.
Corção começa por dizer que não existe uma ética profissional no sentido que alguns lhe atribuem. Menciona o vezo de, em algumas corporações, admitir-se a solidariedade com o malfeito. Para ele, “essa ética de casta só tem um defeito : é absolutamente imoral. Ou melhor, tem dois defeitos: aquele que acabamos de mencionar, e um outro, mais pragmático, que tem escapado às referidas corporações, e que é o seguinte: essa solidariedade é afirmada para prestigiar o companheiro culpado; na realidade, só serve para desprestigiar toda a corporação”.
Não é nesse sentido de mundo à parte, de regra de coleguismo, ou de espírito de casta, que se pode falar em ética profissional. “Só há uma ética, mas essa ética única e universal, tem problemas especiais em cada domínio especial; e é nesse sentido, e só nesse, que podemos falar em moral particular de um grupo ou de uma profissão”.
Cada mister humano tem suas singularidades. “Todos os ofícios, bem ou mal escolhidos, exercidos com entusiasmo ou a contragosto, trazem para a vida do homem encargos morais”. Para quase todas as profissões, o comando ético poderia se resumir ao sétimo mandamento: não furtar. Principalmente para os políticos. Ocorre que há inúmeras modalidades de se apropriar do alheio: “Não é só galgando o muro a desoras, ou enfiando dedos ágeis na algibeira desatenta que se conjuga esse irregularíssimo verbo. Outros mil modos existem, e pelo que temos visto ultimamente entre nós, muitos deles pretendem incorporar-se aos costumes e tornar-se o que os sociólogos chamam “traços culturais”. A comissão na compra do material, a gratificação recebida para o cumprimento de uma obrigação já remunerada, o emprego de material inferior ao especificado ou ao exigido pela natureza do serviço, tudo isto, por mais que procurem um processo semântico que dê ao vício nome de virtude, se enquadra dentro do mesmo mandamento e se chama “roubo”. Digamos furto. Ladroagem, ladroeira ou ladroice. Gatunagem ou gatunice. Varia o vocábulo mas permanece o mesmo fato essencial da apropriação indébita”.
Corção critica também o suborno, que considera “pior do que o roubo simples, porque é um encorajamento e uma recompensa do vício. Lesa e prostitui. Todos dirão, aflitos ou irritados, que hoje é quase impossível evitar o suborno. Bem o sei. Já disse que dia a dia se torna quase impossível ser simplesmente honesto. Nossos últimos governos desenvolveram, com extraordinária eficiência, a técnica do suborno que se vem incorporando aos nossos costumes”. Mas isso não impede se reafirme: subornar é roubar ao quadrado.
É o suficiente para que reflitamos sobre a falta de ética em nosso Brasil. O livro de Gustavo Corção foi publicado em 1953 pela Agir e, portanto, escrito antes disso. Sessenta e cinco anos depois, o que mudou nesta Pátria, a não ser a sofisticação das técnicas, táticas e estratégias de lesar o povo?
*José Renato Nalini é Reitor da Uniregistral, docente da Uninove e Anchieta, palestrante e autor de “Ética Geral e Profissional”, 13ª ed., RT-Thomson Reuters.