Homem incendeia casa de ex-esposa em Santo Antônio de Posse 

Delegado encarregado do caso descarta tentativa de feminicídio 

Desde 2006, a Lei Maria da Penha lançou luz sobre uma violência acobertada pelos tetos dos lares por séculos e séculos. Ao longo dos anos, o movimento contra a violência doméstica cresceu e se ramificou, gerando a criação de outras leis de proteção à mulher, como a Lei Mariana Ferrer e delegacias especializadas em apurar crimes dessa natureza.  

Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha, encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a violência na rua caiu, enquanto aumentaram agressões dentro de casa. O “vizinho”, que em 2019 ficou em 2º lugar como autor das agressões (21%), sumiu das respostas em 2021. Em seu lugar apareceram pai, mãe, irmão, irmã, e outras pessoas do convívio familiar.

Isso significa que cerca de 17 milhões de mulheres (24,4%) sofreram violência física, psicológica ou sexual no último ano. A porcentagem representa estabilidade em relação à última pesquisa, de 2019, quando 27,4% afirmaram ter sofrido alguma agressão. Graças às corajosas denúncias, muitos agressores receberam a devida punição por seus crimes, ao passo que outros saíram impunes, perpetuando a cultura de violência contra mulheres. Cultura esta que ainda está longe de acabar.

 

Caso de Santo Antônio de Posse 

No sábado, dia 15 de janeiro, o plantão da Delegacia de Jaguariúna registrou uma ocorrência de violência doméstica na Rua José Russi, no bairro Vila Esperança, em Santo Antônio de Posse. Um homem ateou fogo na casa da ex-mulher, depois de uma discussão e de proferir várias ameaças, inclusive de morte. 

Em depoimento à Polícia, a mulher disse que o ex-marido foi visitar os filhos e, horas depois, após ingerir bebida alcoólica, não queria ir embora. Ao pedir que ele se retirasse, o homem ficou agressivo e quebrou o aparelho celular da vítima. Apavorada, ela correu com os filhos para pedir socorro aos vizinhos e quando o imóvel estava vazio, o homem ateou fogo na casa. Segundo consta nos autos, o imóvel e todos os pertences da família foram perdidos, com exceção de alguns móveis da cozinha.

Em conversa exclusiva com a equipe de jornalismo do Portal O Regional, o delegado Júlio Luís Garavello Gonçalves descartou a tentativa de feminicídio. Segundo ele, não houve um ataque pessoal à vítima, mas ao bem patrimonial disponível, já que a mulher e os filhos do ex-casal não estavam mais na casa quando o fogo começou. No entanto, o homem responderá por crimes referentes à Lei Maria da Penha.

O suspeito compareceu voluntariamente à delegacia de Santo Antônio de Posse, acompanhado de seu advogado, e deu sua versão dos fatos que, segundo Garavello, coincidiu parcialmente com o relato da vítima. “Não representei pela prisão preventiva dele, haja vista ter ele se apresentado voluntariamente na delegacia. Não obstante, nada impede que, no curso do inquérito policial, eu represente pela prisão dele, caso entenda pertinente e necessário”, esclarece o delegado.

 

Medida protetiva

Garavello detalhou que a vítima estava bastante assustada e temia uma nova agressão por parte do ex-marido, uma vez que ele não foi detido. “O suspeito poderá responder por dano em conformidade ao artigo 163 , ameaça, artigo 147,  e incêndio, com base no artigo 250, do Código Penal,  no contexto da lei 11340/2006 que é a Lei Maria da Penha”, explica o delegado. De acordo com a determinação judicial, o acusado vai responder o processo em liberdade.

Em casos como este, é empregada medida judicial de proteção, que proíbe o agressor de se aproximar da vítima. Segundo o advogado criminalista Leonardo Tieghi, as medidas protetivas de urgência foram um grande avanço no combate à violência contra mulher em situação doméstica e familiar, pois a depender da medida concedida pelo juiz, não há necessidade de ocorrer nova violência, basta que, por exemplo, a pessoa desrespeite o limite de proximidade determinado. “Em resumo, é possível dizer que as medidas ajudam, sim, na proteção, pois basta que, qualquer pessoa denuncie o descumprimento para que, sendo comprovado, seja realizado o flagrante por descumprimento de medida protetiva, crime previsto no art. 24 – A da Lei nº 11.340 (Lei Maria da Penha)”, frisa Tieghi, mesmo não descartando a possibilidade de que o descumprimento da medida fica a critério da conduta humana. Ou seja, o agressor, se responde em liberdade, pode infringir a ordem judicial.

O advogado criminalista esclarece que as medidas protetivas – já solicitadas em favor da vítima deste caso, em caráter de urgência – são uma alternativa menos gravosa. O que quer dizer que a prisão de uma pessoa deverá ocorrer sempre em último caso, isso por previsão legal. Assim, o art. 22 da Lei Maria da Penha prevê diversas medidas protetivas de urgência que podem ser aplicadas em proteção à mulher. 

Concordando com a pesquisa do Datafolha, o delegado Garavello destaca que ao longo da pandemia vários casos correlatos a este foram computados não só em Santo Antônio de Posse, mas em quase todo o País. “Essa pandemia acho que promoveu uma situação nas residências que tem provocado muito esse tipo de crimes. Às vezes,  não é nem o caso entre marido e mulher, mas namorados.  O fato é que a tolerância, que já era mínima, após essa pandemia ficou ainda mais descontrolada, infelizmente”, lamentou.

 

Denuncie, disque 180

O delegado reforçou que as mulheres não devem esperar pelo pior. Ao no mínimo indício de agressão, é necessário procurar uma delegacia imediatamente ou telefonar para a Central de Atendimento à Mulher, através do número 180, que presta uma escuta e acolhida qualificada às mulheres em situação de violência. O serviço registra e encaminha denúncias de violência contra a mulher aos órgão competentes, bem como reclamações, sugestões ou elogios sobre o funcionamento dos serviços de atendimento. “Quanto mais medo ela demonstrar, mais ela dá autoridade e coragem para que esse indivíduo possa praticar o crime contra ela”, completa.

Para Tieghi, a fiscalização, quando se trata de violência doméstica e familiar, é extremamente complicada pelo fato de ocorrer, na maioria dos casos, dentro do lar. Por vezes não há testemunhas. Por isso, é necessário que, as pessoas saibam que não sairão impunes caso cometam tais atos. “Aliado a isso, que continue existindo uma forte campanha de conscientização, tanto às vítimas, como para eventuais testemunhas, para que, efetivamente, levem à autoridade policial a informação da ocorrência do crime. Também entendo imprescindível a continuidade no investimento em delegacias especializadas para que possam dar todo acolhimento e atendimento necessário”, finaliza.

 

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