Luto pela separação de casais: um tipo de morte em vida
O artigo de hoje fala sobre um tipo de luto muito vivenciado em nossa sociedade, onde não há a morte da pessoa amada, mas uma separação, que da mesma forma, traz muito sofrimento: é o Luto pela separação de casais.
A condição de perda neste caso existe quando não há a morte física, mas sim a morte social, ou simbólica da pessoa.
Creio que a maioria das pessoas já passaram por alguma situação semelhante, ou irão passar um dia no decorrer de suas vidas. E não precisamos ser especialistas no assunto para perceber o sofrimento daqueles que perderam seus parceiros, sua dificuldade de reajustamento à nova realidade.
O Luto é um processo de adaptação a uma perda significativa na vida do enlutado, onde espera-se que com o tempo, este siga seu curso de forma favorável, possibilitando ao enlutado a internalização e reposição emocional da figura perdida, de forma que consiga seguir em frente. No caso do Luto pela separação de casais, existem grandes probabilidades de o mesmo seguir um curso complicado, pois vários fatores interferem neste processo.
Um deles é o fato de que , quando perdemos uma pessoa para a morte, sabemos que a perda é definitiva, e para a morte não há recursos, não há argumentos, não há esperanças. Já no caso de perder alguém para a vida, para o mundo, uma série de sentimentos conflituosos potencializam as chances de ele tornar-se complicado, como por exemplo: sentimentos de rejeição, onde o enlutado sente que foi trocado por outra pessoa, sentimentos de culpa, por sentir que não fez o suficiente, ou que fez algo errado, sentimentos de raiva, de abandono e solidão. O que antes foi construído conjuntamente, os planos, os sonhos, as conquistas, os filhos, família, de repente estão rompidos e cada um sente como se estivesse faltando um pedaço, uma metade, e tendo que aprender a caminhar sozinho novamente.
Existe uma tarefa básica do processo de Luto que é a Aceitação da Realidade da Perda. É uma das tarefas mais difíceis, onde o enlutado aos poucos precisa tomar consciência de que a perda é definitiva e que a pessoa nunca mais retornará (por exemplo em caso de morte). Ainda assim, é tão difícil entrar em contato com a dor, que o enlutado chega a ter fantasias de que a pessoa retornará, de que ouviu sua voz, de que sentiu sua presença, negando esta realidade. No caso de morte, o enlutado tenta todas as alternativas, mas contra a morte não há o que fazer. No caso de divórcio, é ainda mais difícil para o enlutado realizar esta tarefa de Aceitar a Realidade da Perda, pois quando vem o desespero, ele sabe que pode ter acesso à outra pessoa, que pode ligar e tentar uma reaproximação, e isso alimenta a esperança do retorno. E quando este não se concretiza, a frustração é muito grande. Afinal, perder uma pessoa para a morte é uma coisa. Perder para a vida é outra completamente diferente, embora o processo de luto seja semelhante e tenha a mesma função.
Outro fator que aumenta as chances de este tipo de luto seguir seu curso de forma complicada é que este é caracterizado como Luto Não Reconhecido, ou seja, por não ser socialmente aceito, não oferece condições ao enlutado para a expressão da dor e dos conflitos inerentes à perda, principalmente levando-se em consideração os motivos que levaram a esta separação. Desta forma, a pessoa vivencia seu luto em completo isolamento, e sem o devido apoio da rede familiar e de amigos para a compreensão, validação e expressão de seu pesar, tornando esta perda um fator de risco para o desenvolvimento de Luto Complicado.
Alguns sintomas devem ser observados e podem afetar algumas dimensões na vida do enlutado :
- Física (diminuição da imunidade,alterações do apetite, sono desregulado);
- Cognitiva (confusão,estranhamento,falta de clareza no raciocínio);
- Emocional (medo, raiva,desespero,culpa);
- Social (isolamento,perda da própria identidade);
- Comportamental (medo, evitação e abuso de substâncias);
- Espiritual (questionamento de valores e da fé );
- Profissional (diminuição da produtividade e do comprometimento).
Portanto, este tipo de Luto caracterizado como Não Reconhecido aumenta as chances de levar ao adoecimento, e merece ser tratado com a devida importância, pois é uma perda muito grande, muito sofrida e infelizmente não encontra espaço na sociedade para ser vivida em sua intensidade, tornando-se uma dor sufocada, que mais cedo ou mais tarde, virá à tona.
Desta forma, a ajuda profissional é recomendada, pois oferece condições e recursos para que o enlutado expresse sua dor, que fale, que chore, que sinta , e que com o tempo consiga elaborar seu luto de forma saudável.
Finalizo com uma reflexão de William Shakespeare, que faz muito sentido, especialmente neste caso: “Todo mundo pode dominar uma dor, exceto quem a sente…”
*Grace Benato é Psicóloga, atua na cidade de Jaguariúna e atualmente desenvolve projetos gratuitos para auxiliar pessoas enlutadas. Para participar do projeto, envie um e-mail para gracebbenato@gmail.com