Manipulação do passado
Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado.
(George Orwell, 1984)
A comemoração “devida” ao golpe civil-militar de 1964 de “31 de março”, determinada por Bolsonaro, envergonhou o país e busca contaminar a verdade com versão leviana.
O que há para comemorar? A ruptura institucional? O fechamento do Congresso Nacional e do STF? A prisão e a morte de jovens? A tortura? Não há o que ser comemorado, mas há a versão que vem sendo difundida pela horda de imbecis, fanáticos e carreiristas que povoam a esplanada, o planalto e o alvorada, através das redes sociais; uma versão que traz narrativa que nega a existência de vinte e um anos de ditadura e dos crimes cometidos pelos golpistas e pelos ditadores.
Aparentemente seria mais imbecilidade, de um governo composto por imbecis, nos remete ao romance “1984” do escritor britânico George Orwell, mas não é, é um movimento pensado e planejado. Bolsonaro e os seus, buscam de fato promover um revisionismo histórico, sem compromisso com a verdade.
Mas voltemos ao romance de Orwell, que é uma distopia escrita em 1949 que projeta como seria a vida no futuro distante de 1984.
O totalitarismo é o mote que embala a narrativa passada em Londres, no ano de 1984.
No mundo ficcional criado por Orwell, existem inúmeros televisores monitorando e controlando a população, nenhum cidadão tem mais direito à privacidade.
A obra de George Orwell conta a história de Winston Smith, membro do “partido externo”, funcionário do “Ministério da Verdade”. A função de Winston é reescrever e alterar dados de acordo com o interesse do Partido, ou seja, ele é um dos funcionários responsáveis pela propaganda e pela reescrita do passado.
Ou seja, a função do personagem é reescrever os jornais e documentos antigos de modo a apoiar o partido no poder. O que não pode ser reescrito é destruído, essa é a maneira que o Estado encontra para manter-se no poder.
O livro de Orwell nos apresenta um Winston que questiona a opressão que o Partido exercia sobre os cidadãos, pois se alguém pensasse diferente cometia “crimideia” (crime de ideia em novilíngua) e fatalmente era capturado pela “Polícia do Pensamento”, sendo vaporizado. Desaparecia. Inspirado na opressão dos regimes totalitários das décadas de 1930 e 1940.
O livro é crítica fundamental aos governos totalitários, assim como a toda nivelação da sociedade, a redução do indivíduo em uma “peça” que deve servir ao Estado ou ao mercado, por meio do controle total, incluindo o pensamento e a redução do idioma. São consideradas criminosas pela “polícia do pensamento” tudo que é inconveniente ao governo, por isso, tudo o que é inconveniente deve ser reescrito, numa “necessária” reformulação do passado para controlar o presente. O governo Bolsonaro busca reescrever a História. Tenta fazer crer que não houve ditadura militar e que o exército salvou o país do risco do comunismo.
Em breve tentarão nos convencer que a “Assembleia Nacional Constituinte” não existiu com objetivo de sepultar definitivamente o entulho autoritário e ditatorial do período anterior.
Tentarão nos convencer que não foi a constituinte a instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias.
Bolsonaro está à frente de um governo sem rumo em várias quadras, mas que busca amplificar uma narrativa do tempo da “Guerra Fria”.
Temos um governo de viés autoritário que mantém ativo um “ministério da verdade” e bem alimentada a “polícia do pensamento”.
A decisão de Bolsonaro recebeu críticas de mais 50 organizações que denunciaram a “tentativa de relativização e revisão histórica proposta pelo presidente”.
Dentre as entidades estão o Instituto Alana, o Instituto Sou da Paz, o Movimento Acredito e o Movimento Livres, dentre outros.
A verdade válida é que o dia “31 de março” serve para nos lembrar daquilo que não queremos repetir e para que possamos olhar para frente, imaginar e construir uma democracia que seja promotora de liberdades, mais plural e menos desigual.
Pedro Benedito Maciel Neto, advogado, sócio da MACIEL NETO ADVOCACIA – pedromaciel@macielneto.adv.br