O câncer como um problema de atenção primária
Maira Caleffi
A Cobertura Universal de Saúde é o sistema mais justo que existe para garantir que todos os indivíduos e comunidades recebam os serviços de saúde necessários, sem que isso comprometa sua situação financeira. Apesar de não ser um sistema utilizado no mundo todo, tem se tornado pauta de muitas discussões entre líderes mundiais e ganhado força nos últimos anos face à iniquidade vigente atualmente.
O Brasil é um dos países que conta com um modelo de cobertura universal – saúde pública para todos, sem descriminações. O Sistema Único de Saúde (SUS) é um importante alicerce à população, pois fornece acesso universal a este direito fundamental garantido pela Constituição de 1988. É preocupante porém, ver o aumento da demanda por atendimento em saúde pública e o sub financiamento do setor. Apesar de importantes serviços de saúde serem prestados, encontramos grande fragilidades na área de câncer que comprometem – e muito – a vida de pessoas.
Os dados não mentem: o mais recente relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) revelou que pacientes podem esperar até 200 dias para conseguir o diagnóstico da doença no SUS. São quase sete inaceitáveis meses de espera. Num período tão longo assim, o câncer se desenvolve e a pessoa acometida pela neoplasia vai perdendo suas chances de cura.
As lacunas encontradas pelo TCU são as mais diversas e vão desde a demora no agendamento da primeira consulta com o especialista, até o acesso aos exames e biópsias, o atraso nos resultados, e o retorno ao médico para confirmar o diagnóstico. O percentual de pacientes que recebem a confirmação diagnóstica apenas quando o câncer já está em estágio avançado é preocupante e tem crescido nos últimos anos: em 2013, eram 53% e, neste ano, já são 56%.
No Brasil, o câncer é ainda um tema tratado como de “alta complexidade”, ou seja, não faz parte das políticas públicas da atenção primária, no entanto, o câncer é a segunda principal causa de mortalidade no planeta e precisa, com urgência, se tornar um problema da Atenção Básica (ou Primária) de Saúde. Não há país no mundo que esteja preparado para os impactos que a doença pode causar se continuarmos diagnosticando tardiamente – não somente em termos sociais, mas também econômicos – e é por isso que essa discussão precisa transpor quaisquer barreiras e fronteiras.
Estamos nos unindo a outros players da saúde mundial para discutir o que é necessário fazer para que o câncer seja realmente priorizado em um contexto de Cobertura Universal de Saúde. O painel “Câncer, inequidades de cuidados e o papel da Cobertura Universal de Saúde” realizado em Nova York, simultaneamente à 74ª Conferência Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), trata disso.
Para que os pacientes tenham suas vozes ouvidas, é mandatório abrir o diálogo, ter mais transparência e não somente buscar soluções, mas fazer tudo o que está em nosso alcance para encontrá-las. Precisamos criar modelos de saúde eficientes, adaptados a cada realidade, que possam reduzir o impacto do câncer no mundo.
Vidas estão sendo perdidas enquanto pensamos e discutimos, por isso é necessário agir rápido. Precisamos colocar o câncer na vanguarda da cobertura universal de saúde para que possamos não somente mudar as tristes estatísticas de alta mortalidade mas a própria realidade desafiadora vivida pelo paciente que está com o diagnóstico de câncer atualmente.
*Maira Caleffi é médica Mastologista, presidente voluntária da FEMAMA (Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama) e Chefe do Serviço de Mastologia do Hospital Moinhos de Vento em Porto Alegre.