Sintomas tardios

O difuso mal-estar da civilização, que Freud vinculou ao sexo, pode surgir também por outras causas. Se na era freudiana a histeria predominava, o século 21 identifica diversas origens para a insatisfação. Narcisismo, consumismo, fastio de si mesmo geram desalento e tudo pode ser abrigado sob o título “depressão”. Há muita gente deprimida com o rumo das coisas. No plano macro e no plano micro. O planeta maltratado emite sinais de exaustão e a natureza se vinga do jeito que pode. Furacões, enchentes, ciclones, granizos, por enquanto, nada tão violento como tsunamis que já ocorrem noutras plagas. No plano micro, a falta de perspectivas, o retrocesso na polidez e no convívio. A transformação de qualquer debate em pugna agressiva e violenta, com a ira a explodir diante de toda espécie de discordância.

Incrível como no século em que já não se discute a universalização dos direitos fundamentais, dentre estes o da liberdade de pensamento, de criação e de expressão a iniciativa de defender um ponto de vista é confundida com provocação. As manifestações coletivas, que poderiam ser a fórmula de a população assumir o protagonismo imprescindível à implementação da prometida democracia participativa, infiltraram-se grupos provocativos, que não se satisfazem com a adoção de opções antagônicas, mas não hesitam no ataque covarde ao patrimônio público e privado.

A desconfiança no governo e em toda espécie de instituição é fenômeno universal, que chega ao Brasil tardiamente, pois irrompeu no Velho Continente por volta de 1968. Como roupa fora de época, é recebida com perplexidade. Afinal, numa Democracia, a voz que dá tom à Administração Pública é da maioria. Cumpre à minoria fiscalizar, cobrar, vigiar e, de forma civilizada, empenhar-se em converter-se em maioria. Assim é que deve funcionar o governo possível no Estado de Direito, antes de que nos transformemos em comunidade civilizada ao ponto de dispensar o governo. A alternativa é o caos e penso que ninguém, que ainda não tenha perdido de todo o juízo, a preferiria.

José Renato Nalini, secretário da Educação do Estado de São Paulo

 

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