Reformas necessárias

O Brasil andou muito nas últimas três décadas. Apesar de pouco reconhecimento a nossa democracia é a responsável, pois deu início à abertura dos mercados, domou a inflação, baniu o FMI de nosso cotidiano, universalizou a saúde e a educação, trouxe políticas socias exitosas e um avanço social histórico, mas “entrou no ‘ciclo travado’, a partir do qual sobram apenas duas alternativas: ou a coragem para fazer reformas estruturais, eternamente adiadas, ou o recuo”, como escreveu Ladislau Dowbor.

O país melhorou muito, basta lembrarmos que entre 1991 e 2012, o brasileiro, que vivia em média 65 anos, passou a viver 75 anos. Ou seja, estamos falando de um país onde os brasileiros vivem 10 anos a mais do que na última década do século passado, um país em que a mortalidade baixou enormemente, um país onde diversos indicadores melhoraram muito.

O economista Dowbor escreveu em 2015 que dados do Atlas das Regiões Metropolitanas – elaborado pelo PNUD, Ipea e Fundação João Pinheiro – revelavam uma redução drástica da pobreza em todas essas regiões do Brasil e um aumento dos Indicadores de Desenvolvimento Básico e mais, naquele ano foram divulgados os Indicadores de Progresso Social, o IPS – que acompanha 54 indicadores que são o PIB – o qual colocava o Brasil no 42º lugar entre 130 países (posição infelizmente puxada para baixo essencialmente pelo problema da segurança, que é um ponto crítico e está diretamente ligado ao problema da desigualdade).

Tudo isso é resultado da nossa democracia do arranjo institucional de 1988, mas há reformas a serem realizadas, reformas necessárias e urgentes, reformas que não podem ser pautadas apenas pelo mercado.

Penso que as reformas devem ter em perspectiva a garantia dos avanços conquistados nos direitos civis, políticos, econômicos e sociais desde a Constituinte de 1988, bem como romper com as limitações impostas pela lógica da Febraban ao desenvolvimento pleno do país.

As reformas devem enfrentar o rentismo, que impôs uma ciranda de juros elevados para rolagem da dívida pública e o alto custo do crédito para pessoas físicas e jurídicas, pois, ainda segundo Dowbor, “essa realidade se traduziu, na prática, em um severo limite ao ciclo de crescimento baseado no mercado interno”.

Quem de fato deseja o progresso do país deve compreender a importância das reformas estruturais, especialmente uma reforma financeira, ou retrocederá de um período de quase três décadas de avanços contínuos – sociais, econômicos e políticos.

Não podemos ignorar que país vive vários impasses e não tem na presidência alguém capaz de debater democraticamente, alguém que compreenda o significado de ações e declarações. Penso que o país, cuja democracia recente conquistou tanto, tem um presidente sem nenhum apreço pela democracia e seu exercício.

Não se pode ignorar também que no plano internacional o país sofre o impacto de movimentos especulativos, sobretudo no mercado de commodities. O Brasil não pode depender eternamente do preço das commodities e dos humores especulativos.

E no plano interno, o país vive um limite estrutural, pois se de um lado conquistou um conjunto de avanços sociais, esses “processos de expansão das políticas sociais chegaram a um limite, a partir do qual são necessárias mudanças estruturais” (Dowbor), por isso as reformas, eternamente adiadas, não são mais adiáveis.

Quando o tema são as reformas, a tensão se faz presente, pois cada grupo de interesse resiste e tenta empurrar os seus custos para os grupos mais fracos, sempre os custos de reformas são pagos pelos mais fracos, como registrou o economista Marcos Mendes recentemente.

Da tensão e resistência às reformas, invariavelmente emerge crise que em essência é política.

Apesar de urgentes as reformas política, tributária e financeira, o governo Bolsonaro optou por começar apresentando proposta para uma reforma previdenciária, proposta que, infelizmente, não avança sobre privilégios e tenta convencer os incautos que ela seria “o caminho a verdade e a vida”, mas não é, basta um pouco de honestidade.

A dupla Bolsonaro-Guedes quer recuperar ou economizar com a presente proposta, 1 trilhão em 10 anos e propõe que essa conta seja paga por idosos e outros que não têm armas para se defender. Essa é a verdade.

Se há um ajuste fiscal a ser feito outros caminhos deveriam anteceder a reforma previdenciária. Vamos aos números: (a) só de isenções fiscais, são 350 bilhões de reais ao ano, quem são os beneficiários dessas isenções? (b) a sonegação fiscal é da ordem de 500 bilhões; (c) os juros sobre a dívida pública, cerca de 400 bilhões.

Somados os itens “a” e “b”, temos 850 bilhões de reais por ano ou 8,5 trilhões em dez anos.

E há outras tantas questões a serem observadas, como a necessidade de cumprimento da regra constitucional que trata do teto salarial; o cumprimento dessa regra representaria economia em torno de 80 bilhões por ano, ou 800 bilhões em dez anos.

Ou seja, a proposta de reforma da previdência de Bolsonaro e Guedes é uma farsa.

Uma farsa que difunde uma narrativa falsa, replicada pela mídia corporativa financiada pelos bancos, de que “sem a reforma da previdência, o Brasil quebra”.

Perguntas precisam ser feitas. Vamos a elas.

As dívidas com o INSS passam de R$ 480 bilhões, entre os principais devedores estão empresas públicas e privadas, bancos, fundações, governos estaduais e prefeituras. O que pode ser feito para recuperar pelo menos parte desse valor?

A taxação das grandes fortunas é o único dos tributos federais previstos nas Constituição que ainda não regulamentado. Estima-se que esse tributo renderia aos cofres públicos mais de R$ 14 bilhões ao ano. Por que não foi regulamentado?

A desoneração da folha de pagamentos é um programa pontual que favorece alguns setores ligados à exportação. Com esse benefício, as empresas deixam de pagar a contribuição calculada na folha de salários e pagam uma alíquota sobre o faturamento no mercado doméstico. Por que não rever as desonerações?

Os militares respondem por quase metade do déficit da Previdência; 55% dos militares passam para a reserva tem entre 45 e 49 anos, enquanto no regime geral, apenas 6% estavam nessa faixa de idade. Por que não rever essa circunstância?

Essas são as reflexões.

Pedro Benedito Maciel Neto, 55, advogado, sócio da MACIEL NETO ADVOCACIA, Presidente do Conselho de Administração da SANASA S.A. e Secretário Municipal de Habitação de Sumaré – pedromaciel@macielneto.adv.br

 

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